Lembro quando, certo Natal,
meu vizinho chegou exultante de alegria, mostrando a sua bola de futebol
novinha, toda branca, com o símbolo da Adidas em azul forte.
Foi um dia alegre, afinal
precisávamos estreia-la o quanto antes. Mais do rapidamente chamamos dois ou
três amigos próximos, montamos as duplas, e fomos jogar na rua. Eu era um pouco
mais velho, então não tinha dificuldade em executar meus dribles. Aliás, me sentia
quase um Messi da rua Oscar Schaeffer.
Então, aconteceu. Um carro vermelho
veio na nossa direção; e a disputa parou, que era o que acontecia quando carros
de qualquer cor passavam bem no meio da nossa “arena de jogo”. Mãos na cintura,
ofegantes e suados, esperamos o auto passar. Depois, quando a partida foi
retomada, me senti inspirado: apliquei uma caneta no meu vizinho dono-da-bola, e
desferi um chute certeiro na direção do “gol”. Para finalizar, saí comemorando
em altos brados: "gol do Brasil-sil-sil!"
O meu vizinho ficou vermelho
de raiva, e foi para cima de mim. Por um momento, juro que achei que ele ia me
bater ou dizer alguns palavrões, mas ele simplesmente agachou-se, recolheu a
bola, colocou-a debaixo do braço, e rumou solenemente para sua casa.
Ficamos lá, cabisbaixos, sem
poder prosseguir o jogo.
Tenho lembrado do gesto desse
meu vizinho quando leio as notícias sobre os brasileiros que defendem uma
intervenção militar, já que a candidata que venceu as eleições presidenciais
não era a sua preferida. Porque assim como em um jogo de futebol na rua, na
democracia também é impossível que todos tenham a sua vontade atendida.
É preciso que existam
perdedores e vencedores, mas que, depois do jogo, todos compreendam que as
regras são essas, e que amanhã tem mais bola para rolar. Em uma democracia
consolidada, uma oposição vigilante é tão importante quanto um governo
eficiente. Lamento informar aos “intervencionistas”, mas não adianta querer
resolver tudo colocando a bola debaixo do braço.
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