Os latidos distantes de um cachorro qualquer despertam
Pedro, que tateia na mesa de cabeceira até encontrar o celular e ver a hora:
23:50.
“Não posso acreditar que faz só meia hora que
eu to na cama”, pensa. Os lençóis grudam em sua pele empapada de suor, e
Pedro sente, com uma sensação de agonia
a invadir-lhe lentamente, que agora vai demorar pra conseguir adormecer novamente.
A hora de dormir é sempre o pior momento do dia para ele,
que então se sente melancolicamente solitário dentro de uma casa escura e quieta como um túmulo. Nos últimos tempos a solidão
tem chegado em forma de insônia, pontuando a noite com lembranças,
arrependimentos e devaneios que para Pedro parecem infindáveis.
“Será que estou
ficando louco?”, pergunta-se. E então pensa que a linha que separa a
loucura da lucidez é muito, muito tênue, para depois questionar-se se este não
seria mais um devaneio sem sentido.
Sente a garganta seca. Vai levantar. Faz menção de ir
algumas vezes, mas desiste. Bom mesmo seria morrer de sede. Mas ninguém morre
de sede por aqui, muito menos durante a madrugada. A sede só incomoda, nada mais. E Pedro sente o incômodo como algo
bom. A dor também é boa, porque lhe
mostra que ele ainda está vivo, que é capaz de sentir.
Meu Deus, se eu
tivesse ido logo tomar água não ficava pensando nisso tudo e ainda por cima
matava a minha sede.
“Só foge da solidão
quem tem medo dos próprios pensamentos”, lera em um livro do Veríssimo. O
Veríssimo sabia das coisas, mas Pedro sabe também que não se encaixa na frase. Não
totalmente. Sente-se um menino desamparado frente à solidão fria e cruel da
noite, é verdade, mas foge dela? Não! Ele a encara. Sofre, pensa bobagens; mas sempre sobrevive.
A garganta implora por água. Deus, que calor infernal! Deus e inferno na mesma frase dão a Pedro
uma vaga sensação de medo da morte. Inferno
mesmo deve ser uma noite de insônia em que o sol nunca vem, pensa. Mas e o
Paraíso? Será que existe mesmo? Se existir, Pedro não vai poder entrar. Cometeu
o pecado da descrença, mesmo que ninguém
possa controlar o que sente ou acredita.
Se ao menos a garganta não estivesse seca, se ao menos chovesse,
se ao menos os lençóis não estivessem tão pegajosos, se ao menos os seus
pensamentos lhe dessem trégua por um instante breve que fosse, talvez Pedro
conseguisse dormir...
Os minutos se sucedem lentamente. Ao longe, o cachorro torna a latir. É o único companheiro de insônia de Pedro.
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