"Como é que o Papai Noel não esquece de ninguém? Seja rico ou seja pobre, o velhinho sempre vem...".
Maldita música de natal.
E o pior é que ela sempre volta. Todo ano, a mesma cantiga. Até gosto da parte do "sapatinho na janela do quintal", porque evoca uma certa pureza, uma capacidade que apenas as crianças têm de acreditar que o mundo pode ser um lugar mágico, em que um velhinho generoso chega lá do outro lado do mundo, com um presente nas mãos e um largo sorriso no rosto.
Chego a entrar no clima. Imagino aquela cena clássica, o trenó sendo puxado por renas voadoras, a lua cheia ao fundo. Tudo muito bonito. Então, quando chega o trecho que fala do rico e do pobre, e a magia se acaba. O encantamento, invariavelmente, se transforma em desalento.
Porque desconfio que há sim crianças esquecidas pelo senhor Noel. Desconfio que, ao contrário do que prega a cantiga, o natal não seja exatamente o mesmo para meninos ricos e pobres.
Aliás, desconfio que todos saibam disso. Por que, então, tentamos nos convencer do contrário?
Seria uma tentativa de negar o problema para nos sentirmos menos culpados? Afinal, como apontar responsabilidades para algo que sequer existe? Sim, só pode ser isso. Fica mais confortável pensar que o "Papai Noel não esquece de ninguém". Mas a verdade é que a música está lá, mais forte a cada ano, para me lembrar, sempre que é entoada, que não, as coisas não são bem assim.
Maldita música de natal.
segunda-feira, 22 de dezembro de 2014
quarta-feira, 17 de dezembro de 2014
Quanto tempo dura uma verdade
Pense
nas nuvens. O dia está claro e sedutor como a pele da Scarlett Johansson, os
pássaros cantam alegremente, o sol começa a trazer aquele calorzinho chato.
Então, elas surgem. Vindas não se sabe bem de onde, as nuvens começam a se
aglomerar, o dia vai escurecendo; e, de repente, está chovendo.
-
Que tempo louco! - exclamam as pessoas, se esgueirando debaixo das marquises.
A
vida é assim.
Vejam
ainda as ações da Petrobrás. Até dias atrás, um negócio rentável. Agora, os
acionistas veem seus papéis valerem cada dia menos, e, ao que tudo indica, as
perspectivas para 2015 não são nem um pouco animadoras.
O
que isso significa?
Que
as verdades absolutas, na verdade, não são assim tão absolutas. O tempo pode
mudar, as ações podem despencar, o namoro sólido pode esfriar, a esposa fiel
pode ter uma recaída com o vizinho do 812. Vivemos em um mundo imprevisível,
onde muitas vezes prevalece o imponderável, e as decisões são tomadas quase
sempre através da emoção.
Fico
pensando que é isso o que nos aflige em nossas efêmeras existências. Essa
imprevisibilidade. Afinal, não podemos nos precaver dos infortúnios. Talvez
sejamos assaltados na próxima esquina; talvez não. Raramente é possível ter
certeza de algo. O que podemos ter são palpites, que nada mais são do que
vontades ou temores disfarçados de pressentimento.
Digo tudo isso porque, em
duas semanas, um novo ano vai começar. O que ele nos trará? Não podemos prever.
Apenas sonhar. Tão aflitivo, e ao mesmo tempo tão fascinante é viver neste jogo
louco em que tudo pode acontecer!
terça-feira, 16 de dezembro de 2014
Sete livros para as férias
Quando você começa a
fazer uma lista de livros, uma história puxa a outra. Limitar a apenas sete foi
uma grande dificuldade, mas depois de inúmeras ponderações, consegui! Eis a
lista para este verão 2014/15:
O CONTINENTE
Este é o primeiro
livro da trilogia O Tempo e o Vento, de Erico Veríssimo. Já li todos os livros
incontáveis vezes, e a história dos Terra-Cambará sempre me prende de uma forma
diferente. Aliás, é como se a nossa própria história estivesse naquelas páginas.
Principalmente para os gaúchos, não se pode passar por este vale de lágrimas
sem ler O Tempo e o Vento.
EU SOU O MENSAGEIRO
Do mesmo autor de A
Menina Que Roubava Livros. O enredo pode ficar um pouco previsível durante o
desenrolar da história, mas acho fascinante a forma com que o autoconhecimento
surge como o caminho para solucionar os problemas do jovem taxista Ed e de seus
melhores amigos.
DOIS IRMÃOS
Eu possivelmente
nunca leria nenhum livro do Milton Hatoum, mas esse foi uma indicação da
professora Juracy Saraiva, e um dos que mais gostei de ler. Na trama, os gêmeos
Yaqub e Omar protagonizam um enredo cheio de ciúmes, intrigas, morte e até
mesmo um tema tabu para a literatura brasileira: o incesto. Vale a pena se
perder por essas páginas.
CEM ANOS DE SOLIDÃO
Neste ano li Cem Anos
de Solidão, por coincidência na mesma época em que morreu seu autor, Gabriel
García Marquez. Achei a história um
pouco confusa da primeira vez, principalmente por causa dos nomes das
personagens, que se repetem bastante. Porém, como um pouco de teimosia não faz
mal a ninguém, reli o livro. A conclusão? O realismo mágico de García é
incomparável.
QUINTANARES
O gênio das frases
curtas faria muito sucesso no Twitter. Com toda a aversão de Quintana ao
urbanismo e ao concreto, quem sabe a brisa do litoral seja mesmo o melhor lugar
para se deixar enlevar pela sua poesia.
CARTAS NA RUA
Confesso que nunca
tinha lido Bukowski. O fiz pela primeira vez no verão passado, e mais do que
recomendo a leitura. Com um estilo, digamos...transgressor,
e cheio de palavrões, a história aborda a vida de um carteiro norte-americana,
seus dissabores e anseios.
FELIZ ANO VELHO
Fecho com esse livro por duas razões: primeiro, porque a história de
vida do escritor Marcelo Rubens Paiva, um misto de dor e superação, deve servir
de exemplo para todas as pessoas quando pensarem em desistir. E também porque,
ultimamente, alguns têm defendido a volta do regime militar no nosso país. A
história revela, entre muitas outras coisas, a perda do pai do autor, o
deputado Rubens Paiva, que foi capturado pela ditadura militar.
segunda-feira, 8 de dezembro de 2014
Nova história de amor
Flávio
estava perdidamente apaixonado pela noiva Bianca, quando soube de uma vidente
que se mudara para a vizinhança. Ela era capaz não só de prever o futuro,
contaram-lhe, mas também de mostrar em imagens o que aconteceria nos anos
vindouros.
Exultante,
Flávio procurou a mulher e pagou-lhe os valores absurdos da “consulta”. Queria
antever os momentos de felicidade que certamente viriam ao lado da futura
esposa. Posicionaram-se ambos diante da bola de cristal, e então, imagens
difusas começaram a ganhar forma e nitidez.
No
primeiro momento, riu da figura que aparecia. Era um homem com cabelos escassos
e quilos de sobra; a barriga saliente fazendo com que a camiseta que usava
parecesse pequena demais. Ridiculamente procurava algo, tateando sem sucesso
entre os móveis de uma casa qualquer.
De
repente, Flávio reconheceu-se naquele homem mais velho, e seu sorriso
desapareceu. Viu, horrorizado, através da bola de cristal, a sogra entrar na
sala.
Não,
espere! Aquela era a sua noiva!
Bianca!
Meu Deus!
-
Perdeu os óculos de novo, infeliz? – vociferava sua amada Bianca, na versão
mais velha - Vem comer! Hoje não fiz janta, mas tem um pouco de arroz integral.
Flávio
saiu correndo da casa da vidente. Não queria ver mais nada.
Dias
depois, um amigo o encontrou no bar:
-
Ué? Tu não ia casar? – perguntou.
-
Preferi começar a beber. – respondeu Flávio
-Mas
por quê?
Flávio
suspirou antes de responder:
-
Cara, a minha sogra eu até aguento. Mas...arroz integral?! Nem a pau!
E
sorveu um largo gole, sorrindo de alívio.
quarta-feira, 3 de dezembro de 2014
O valor de um sanduíche de presunto
A morte do comediante Roberto Bolanõs nos pegou. Nos
entristeceu coletivamente como poucas vezes eu tinha visto. Pude notar também
que o que acometeu a todos, ou a quase todos, foi uma forma diferente de tristeza. Uma tristeza recheada de boas
recordações, uma tristeza nostálgica até, com o gosto dos bons tempos de
infância.
Principalmente por causa do seriado Chaves.
Isso me deixou pensativo: afinal, por que um seriado tão antigo, com episódios já exaustivamente repetidos, ainda é capaz de nos encantar tanto? Desconfio que sei a resposta. Chaves é um seriado com alma, com sentimento. Os personagens que nos fazem rir parecem quase de carne e osso, salvo, é claro, por causa de alguns exageros que dão graça à vila.
A miséria do pobre Chavo não é, em nenhum momento, acompanhada por pobreza de espírito. Ao contrário. Entre inúmeras trapalhadas, o menino do barril nos mostra sempre que, se por um lado lhe faltam melhores condições de vida; por outro, lhe sobram valores como amizade, pureza e companheirismo.
Uma das falas que mais me marcou está no episódio O Desjejum de Chaves. Ei-la:
Seu Madruga: Ora, o que é isso, Chaves, tá morrendo de fome? Será que não pode aguentar nem mais um minutinho?
Chaves: É que faz anos que eu tô aguentando...
Incrível como a felicidade pode custar tão pouco. Pode custar apenas um sanduíche de presunto. Fica a sensação de que nós - que temos a disposição tantos sanduíches quanto quisermos -, nós temos muito a aprender com o menino do barril.
Principalmente por causa do seriado Chaves.
Isso me deixou pensativo: afinal, por que um seriado tão antigo, com episódios já exaustivamente repetidos, ainda é capaz de nos encantar tanto? Desconfio que sei a resposta. Chaves é um seriado com alma, com sentimento. Os personagens que nos fazem rir parecem quase de carne e osso, salvo, é claro, por causa de alguns exageros que dão graça à vila.
A miséria do pobre Chavo não é, em nenhum momento, acompanhada por pobreza de espírito. Ao contrário. Entre inúmeras trapalhadas, o menino do barril nos mostra sempre que, se por um lado lhe faltam melhores condições de vida; por outro, lhe sobram valores como amizade, pureza e companheirismo.
Uma das falas que mais me marcou está no episódio O Desjejum de Chaves. Ei-la:
Seu Madruga: Ora, o que é isso, Chaves, tá morrendo de fome? Será que não pode aguentar nem mais um minutinho?
Chaves: É que faz anos que eu tô aguentando...
Incrível como a felicidade pode custar tão pouco. Pode custar apenas um sanduíche de presunto. Fica a sensação de que nós - que temos a disposição tantos sanduíches quanto quisermos -, nós temos muito a aprender com o menino do barril.
Assinar:
Postagens (Atom)