Um solavanco na estrada desperta Júlio de seu cochilo.
Pensa em voltar a dormir, mas está desconfortável; e desconfortável ainda, desembaça a janela do ônibus com a manga do casaco e cola o rosto no vidro.
Já é tarde da noite, as luzes ao longe fazem a cidade parecer tão pequena, tão frágil; que parece impossível conceber a ideia de que ali, nas entranhas daquelas ruas e becos, possa haver tanta criminalidade, tanta miséria, tantas pessoas sem esperança.
Júlio aperta com força o escapulário que sua mãe lhe dera de presente, presente recebido com lágrimas, no princípio tímidas, depois mais grossas. Lágrimas que para ele tiveram um gosto salgado de despedida e nunca mais. "O mundo é grande", dissera ela.
Tentara em vão iniciar uma conversa com o cabeludo que vai
ao seu lado, mas ele não ouvira, por causa do fone de ouvido. Julio tinha a
impressão de que se ele estivesse sem o fone, também não ouviria, tão absorto
que estava em seus pensamentos, fitando a paisagem que passava veloz enquanto o
veículo deslizava pela rodovia. Agora, o cabeludo apenas ressonava.
Júlio suspira. O rosto, ainda colado no vidro, começa a ficar dormente. O mundo é grande, pensa.
E acha engraçado como uma frase pode ecoar tantas vezes na mente de uma pessoa, a ponto de parecer não fazer mais sentido algum. Afasta a cabeça da janela, se acomoda no banco duro, fecha os olhos e pensa que sim, o mundo é grande; e pensar isso o faz de repente se sentir tão pequeno e tão frágil quanto antes lhe parecia a cidade vista de longe.
Encolhe-se dentro do casaco. De frio ou de medo?
E assim, ignorando os solavancos da estrada, Júlio volta a dormir. A cidade está pequena, cada vez menor. Com a distância, vai ficando insignificante; até desaparecer completamente.
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