Paulo recostou-se na parede, extenuado. Os últimos dias haviam sido terríveis para ele. Dormira pouco, comera mal. Conhecia Flávia, sabia que ela o amava, mas sabia também do seu orgulho, que ela passaria por toda a dor que a sua ausência causasse sem sequer cogitar a hipótese de aceita-lo de volta.
Rodolfo também não o havia procurado, mas aquela estranha calmaria por parte do médico o preocupava, mais do que qualquer outra coisa. O apart-hotel em que ele estava não era caro, mas seu dinheiro estava acabando e diante de todos aqueles problemas, Paulo esperava. Esperava, nem ele mesmo sabia o quê.
Dera para sonhar com o velho Aníbal nas últimas noites. Estaria sentindo remorso? Ele não sabia.
Quando já se preparava para levantar, o telefone tocou.
-Senhor, há uma moça aqui embaixo querendo falar com o senhor. É a Ana.
Enquanto Ana subia, Paulo pensava. Havia esquecido da cunhada. Parecia estranho pensar nela assim... Cunhada?
Abriu a porta, preocupado. Naqueles dias sombrios, nenhuma visita inesperada poderia ser algo bom.
- Achei que você ia gostar de me dar feliz aniversário – disse Ana sorrindo quando Paulo abriu a porta.
E por meia hora, Ana falou. Você sabe como as mulheres falam. Falou de como estava contente por fazer 18 anos, porque ia poder pegar a sua herança, sair de casa, tinha planos para a faculdade...
- Mas e a Flávia? – Perguntou Paulo, sem se conter.
Uma ruga de inquietação se formou na testa de Ana.
-Pensei que você não estava interessado, já que me disse que não a amava mais. Mas a mana ta muito bem. E se você quer saber, tem sido um desfile de homens lá
em casa. Aquele tal de Rodolfo ficou uns três dias...
Paulo não conseguia acreditar. A sua Flávia com vários homens? Não era possível. E com o Rodolfo?
- Olha só, Paulo – disse Ana, interropendo seus pensamentos – O vestibular ta chegando e eu quero fazer um cursinho. Você sabe como a UFRGS é difícil. E eu acho que a gente deve assumir logo o nosso amor. Eu preciso de alguém pra me ajudar a administrar o dinheiro que o papai deixou.
Paulo olhou para a garota, sem compreender. Nosso amor? Ele entendia cada vez menos. Então Ana ainda acreditava nas suas promessas amorosas, em tudo o que ele havia dito?!
Ele observou-a, metida em um vestido claro que contrastava com o bronzeado de sua pele. O tecido leve fazia- o lembrar das curvas que o haviam surpreendido poucos dias antes. Ou teria sido em outra vida? Aquilo poderia ser muito interessante, concluiu.
-Por mim, arranjamos a documentação e casamos ainda nesta semana – sorriu Paulo.
E os dois saíram de mãos dados pelas calçadas abarrotadas de gente, com Paulo ainda surpreso com os rumos que a vida tomava. Uma Flávia mais liberal, aproveitando a vida, levando homens pra casa? E ele casando-se com Ana, que tinha ainda uma cabeça tão infantil...
- Eu preciso me divorciar da sua irmã – disse baixinho.
Ãhn? – perguntou Ana.
- Eu tenho que me separar da Flávia pra que a gente possa casar – repetiu – e então ela se torne minha cunhada.
Ana riu baixinho.
- Que coisa engraçada e triste é a vida – murmurou para si mesma.
O sol estava alto e seus raios iluminavam o casal formando uma longa sombra na calçada. Os dois misturaram-se na multidão, muito juntos, até tornarem-se apenas dois pontos difusos ao longe.