quarta-feira, 19 de março de 2014

Eu deixaria tudo


Sabem o que eu estava ouvindo agora há pouco, nesta manhã chuvosa de quarta-feira?

Não, ninguém jamais adivinharia.

Pois eu ouvia a música “Eu Deixaria Tudo”, evolada em uníssono nas vozes de Leandro e Leonardo. E digo mais: enquanto ouvia, sentia que essa era uma canção cantada com alma, uma canção feita para ser ouvida em uma manhã chuvosa de março.

Estou caindo no seu conceito, eu sei. Sertanejo, francamente!

Será que gostar de uma música do Leandro e Leonardo significa que meu intelecto é menor? Não sei, mas isso me preocupa um pouco.

O que me consola é saber que aprecio também os clássicos. Sobretudo, na literatura. Agora mesmo, enquanto escrevo estas linhas, estou pensando que preciso terminar logo a leitura de Madame Bovary, obra de Gustave Flaubert, porque estou ansioso para descobrir até onde vão as angústias e infidelidades da melancólica camponesa que dá nome à obra.


Mas, não esqueçamos da música. Gosto em especial do trecho em que o intérprete canta com lamúria: 
Fiquei perdido sem você no meio de um deserto,
Me perguntando se ainda sobreviverei.
Meu sentimento sem você ficou tão triste e vazio. 
Já percebi que sem o seu amor eu não renascerei. 
Porque a saudade está quebrando o que resta da minha ilusão...

A angústia do amor frustrado é o que dá alma à canção. A dor, a tristeza, o desalento; aí estão sentimentos humanos que têm mais profundidade do que a alegria ou o riso. Afinal, como disse Oscar Wilde, a dor não tem máscara. Também por isso, Os Sofrimentos do Jovem Werther se tornou uma obra eterna. Se houvesse final feliz, a poesia estaria extinta, seria apenas mais uma novela comum, como as que a Globo produz, e você assiste antes de dormir.

Estou fazendo todas essas voltas apenas para dizer que gosto disso; de pessoas que vivem com paixão, que cantam aos quatro ventos as dores que lhes afligem, por mais melosas que pareçam aos demais. É uma forma boba de viver, eu sei; mas ao menos é uma forma sem máscaras. Por isso, permito-me confessar de que gosto da música Eu Deixaria Tudo. Pode até ser clichê, mas naquelas notas melodiosas, percebe-se que o amor só existe pela dor.


O amor. A dor. Verso e reverso de uma mesma moeda: a vida. Me parece um bom pensamento para uma manhã chuvosa de quarta-feira.

quarta-feira, 5 de março de 2014

Uma moeda na fonte


Todos os dias, uma moedinha.

Já fazia várias tardes que eu observava aquela menina, sempre com o mesmo gingado ao andar, e sempre jogando uma moeda na velha fonte de pedra. A moça tinha um ar angelical, com o cabelo a agitar-se melodiosamente sob o efeito do vento. Uma moeda na fonte...Que desejos perpassariam sua mente?

E assim, tentando adivinhar seus pensamentos secretos, eu a observava se afastar lentamente, até desaparecer na curva de uma esquina qualquer. Era como um ritual: ela passava, lançava uma moeda, e desaparecia. E eu? Eu observava.

Então, numa tarde inquieta, caiu sob o concreto escaldante da cidade uma dessas chuvas de verão. Abriguei-me debaixo de uma marquise, sentindo as meias encharcadas dentro dos sapatos.

O relógio, - implacável! -, fazia os minutos escorrerem rapidamente.

Ela não virá, concluí, desanimando-me.

Percebi-me como um jovem apaixonado, que espera ansioso pela namorada que insiste em retardar sua chegada. Namorada. Gostei de ter pensado nessa palavra. Namorada, repeti baixinho; inúmeras vezes, talvez para me distrair e espantar aquela aflição pueril.

Quando eu já quase desistia da espera, ela surgiu. Com um vestido azul anil, protegida por um pequeno guarda-chuva, as gotas d’água salpicando seus tornozelos delicados.

Parou um instante diante da fonte, contemplou-a, e jogou ali uma moedinha, para, em seguida, continuar seu caminho.

Suspirei. De amor ou de alívio?

E então, sorri: ela sempre vem.