sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Logaritmos e exponenciais


No meu tempo, quando as pessoas ficavam nervosas, elas roíam as unhas... – disse o pai, erguendo os olhos do jornal para encarar a filha.
- Já roí todas, agora só me resta essa caneta – respondeu a garota.
- Ansiedade nessas horas só atrapalha...
- Mas faltam só cinco dias, pai!
- E daí? Tu é tão inteligente...
- Mas é a UFRGS. E Medicina ainda!
- Exatamente – disse o pai, paciente – Apenas uma prova, Mariana. Não é fim do mundo.
- E se eu não passar? Imagina pai, ter que passar por isso tudo outra vez! E aí garanto que todos os meus amigos passam, só pra eu ficar pior... Vou me sentir uma burra, e sei que o senhor vai ficar decepcionado. Aliás, mais decepcionado do que aquela vez que o Inter perdeu pro Mazembe...
- Isso não é verdade, filha. E tu tem que ter pensamento positivo. Tu vai passar!
- E se eu passar e descobrir que não é isso que eu quero?!
- Hoje não dá pra argumentar contigo – desanimou o pai.
- Imagina – continuou Mariana – vou acabar virando uma desempregada, uma sem-teto. Imagina, pai, se eu entro pro MST? O senhor odeia esses movimentos...
- Já pensou em tomar algum calmante?
- Calmante não...mas e se eu tomasse um desses remédios que dizem que aumenta o raciocínio? Imagina pai, se eu tomo uma dessas pílulas e tiro o primeiro lugar? Poderia até escrever um livro!
O pai suspira. E tenta mudar de assunto:
- O que tu vai querer jantar?
- Logaritmos e exponenciais! – exclama Mariana.
- Ahn?
- Quer dizer, quero só uma salada....

O pai resolve voltar a ler o jornal.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Pratas da Casa

Tive uma manhã aprazível no último sábado, quando participei do Sarau Letras e Sons - Pratas da Casa.

Foi uma troca de experiências muito bacana, sem contar que música e literatura sempre fazem muito bem para a alma.

Parabéns para a organização do evento pela bela iniciativa!


sexta-feira, 22 de novembro de 2013

A pior coisa que existe


Entreouvi um trecho de uma conversa telefônica, ontem, entre pai e filha.

Foi atrás de mim, na volta da faculdade.

O pai dizia que estava com saudades, e que a amava. Até aí, nada de mais. Aliás, acho louvável que os pais digam sempre que amam seus filhos, afinal as crianças precisam se sentir amparadas neste mundo implacável e rasteiro.

Mas o que me chamou atenção naquela conversa foi o trecho seguinte. 

Após um hiato de alguns segundos, o pai tornou o falar: "ô filha...não precisa chorar. O pai te ama muito, tá?".

Com a voz já embargando, ele repetiu mais algumas vezes que a amava.

Por fim, após desligar o telefone, o homem comentou com a pessoa que estava do lado:

- É foda... A pior coisa que existe é ouvir o choro da tua criança.

E suspirou.

Fiquei pensativo depois daquilo.


Afinal, a lembrança dos bons momentos entre eles de nada servia para aplacar a saudade que lhes oprimia o peito. Provavelmente, essas lembranças até aumentem a dor alimentada pela distância. Lembrei, então, de uma frase que li nesta semana, de George Lord Byron: a recordação da felicidade já não é felicidade; mas a recordação da dor ainda é dor.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Mensalão: o PT não está perseguido

É claro que o Brasil evoluiu muito nos últimos anos, e que foi sob a gestão petista que a desigualdade social diminuiu significativamente no nosso país. Hoje, as oportunidades existem mais do que em qualquer outra época.

Mas não posso concordar com aqueles que acreditam que o PT é perseguido por uma parte da imprensa, nem que seja este o último partido guardião da ética e da moral na política.

E não são mártires os mensaleiros condenados: são criminosos, como o são todos aqueles que -sendo de qualquer partido -, usaram dá máquina pública para locupletar-se no poder, e escaparam da justiça. Aliás, fico muito surpreso e decepcionado quando algumas pessoas por quem tenho apreço defendem esses criminosos.

A desonestidade não está neste ou naquele partido, está nas pessoas. E, infelizmente, há corruptos em todos os partidos, em todas as empresas, e em todos os segmentos da sociedade. 

Porém, não podemos esquecer que há também aqueles que são bem intencionados. É nisso que temos que acreditar, para que, com um voto mais qualificado, possamos construir um Brasil melhor nas próximas eleições.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Sem lua nem poesia


Era uma noite sem lua nem poesia. No ar parado, reinava um silêncio de morte. Sentado em um banco encardido, incrustado naquela praça quase vazia, eu observava uma figura a poucos metros de mim.
                
Era uma mulher. Estava escorada em um muro vulgar, o cigarro pendendo entre os dedos finos. De tempos em tempos, ela levava o cigarro aos lábios, e depois soprava para cima uma fumaça branca e preguiçosa, dando àquele gesto ares de ritual.

Na penumbra, seu rosto parecia decidido, endurecido pelo tempo, mas, ainda assim, de feições delicadas. Tinha um ar de cansaço, de derrota talvez.  Estava com roupa demais para ser uma puta. Estava solene demais para ser incomodada.

E eu, pobre diabo, observava a cena com miradas indiscretas. Eu poderia ser um estuprador, um ladrão, um maníaco; e nada disso faria com que a minha presença deixasse de ser dolorosamente ignorada. A cada baforada, eu tinha mais certeza: a mulher sabia que eu não era ninguém.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Violência: de quem é a culpa?

Igrejinha, uma cidade tão calma, tão pacata, volta e meia é agitada pela violência urbana. Desde assaltos “pequenos” a homicídios horrendos, cometidos em plena luz do dia, esses crimes ocorrem cada vez com mais frequência.

Por quê? 

Houve um tempo em que se acreditava que o problema da violência era causado pela miséria. Porém, a miséria no Brasil diminui a cada ano, desde a implantação do Real, e a cada ano as cidades se tornam ainda mais violentas.

Logo, não é apenas o abismo social que alimenta o crime.

Há algo mais. 

Será a impunidade? Serão governos negligentes, que mais se preocupam em remediar o mal depois de feito, do que a secar-lhe a fonte? 

Temos muito a refletir.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

O que deveria ser ostentado


Vi o tal vídeo do Rei do Camarote.

E, bom, nada contra quem ostenta luxo, dinheiro e glamour; embora eu considere isso uma forma pouco útil de se marcar uma existência.

Mas, o que quero mesmo dizer sobre isso tudo, é que eu gostaria que as pessoas ostentassem outras coisas.

Coisas mais importantes.

Pense em uma roda de amigos. Alguém poderia dizer, por exemplo, que é ótimo em preservar amizades. Ou em conseguir manter uma conversa inteligente com a colega mais cobiçada da faculdade, aquela que balança o pezinho como ninguém, enquanto ouve o professor explicar a matéria.

A lista seria longa. Algum engraçadinho ostentaria uma outra qualidade fundamental: ser bom em contar as histórias de bebedeiras dos amigos. No meio da conversa, alguém lá na ponta da mesa poderia gabar-se por conseguir fazer uma pipoca que fica praticamente igual à do cinema.

Haveria aquele amigo que é ótimo em ligar para marcar uma caminhada descompromissada, mesmo que já sejam duas horas de uma madrugada amena. E, em resposta, teria também aquele que, mais orgulhoso ainda, contaria aos quatro ventos que tem o hábito de aceitar esse tipo de convite.

Meu avô, se participasse da conversa, diria que é o melhor em geografia, mesmo sem nunca ter completado a escola. E que é uma das poucas pessoas a saber que Sidney não é a capital da Austrália. Uma das poucas pessoas fora da Austrália, claro.

Já o meu professor de Filosofia na faculdade, ele contaria que poucos poderiam superá-lo no quesito entusiasmo durante uma aula sobre Existencialismo. Aliás, foi numa dessas aulas que descobri algo interessante. O filósofo Sartre diagnosticou, certa vez, que a origem da angústia humana reside no fato de o homem NÃO QUERER ser livre. Afinal, é o próprio homem que se deixa aprisionar à fama ou a riqueza.


Penso que, se as pessoas percebessem que podem ser incríveis, apenas com o que elas já têm dentro de si, não precisariam buscar FORA uma felicidade que, justamente por ser buscada nos lugares errados, é uma felicidade que nunca chega.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

O sonho

Marcos acordou no meio da noite, sobressaltado. Afrouxou lentamente a pressão exercida sob o travesseiro, que momentos antes representava Natália, a ex-namorada, com quem acabara de sonhar. Era certo que não se arrependia de ter acabado o namoro. No auge dos 20 anos, a vida de solteiro tinha muito a lhe oferecer. Noitadas, bebedeiras, amigos, histórias.

Com Natália, nada disso seria possível. Marcos lembrou da dificuldade em terminar o namoro. De um lado, todas as vantagens da vida de solteiro. De outro, deixar de passar momentos inenarráveis com Natália. Natália com suas coxas grossas, e aquela bunda de parar a avenida. Marcos arrepia-se enquanto lembra. E sua lembrança sobe para os seios, pequenos, mas obtusos. Para a boca carnuda.

 E então, ele começa a lembrar do sonho.

Natália estava linda em um short branco e uma blusa de regata, azul clara como o céu primaveril. No sonho, ela lhe dizia que não tinha mais nada com Fernando, que começara o relacionamento com ele para esquecer Marcos, mas que era impossível esquecê-lo, e ela permitiria que ele fizesse as suas farras, e até mesmo que tivesse outras mulheres, mas não poderia viver nem mais um segundo longe dele. Então, e ela foi chegando perto, seus lábios carnudos se aproximavam cada vez mais, Marcos já podia senti-los...

Quando acordou.

Como todos os sonhos bons, aquele havia sido interrompido na melhor parte. Mas agora, às quatro da manhã de sexta, Marcos estava pensativo. Seria aquele sonho um sinal? Será que Natália e Fernando não estavam mais juntos mesmo? A curiosidade instalava nele um nervosismo, mesmo sabendo que nada mudaria, e a vontade de saber se Natália estava realmente solteira outra vez inquietava, tirava-lhe o sono.

Como fazer para descobrir? Lucas, um de seus melhores amigos, era também amigo daqueles dois. Poderia perguntar pra ele.

Mas não, Lucas era muito burro. Na certa, deixaria escapar o que Marcos perguntara. Natália ficaria achando que ele havia se arrependido, Fernando iria querer briga.

Então, teve uma ideia.

Na manhã seguinte, ligou cedo para Lucas.

Lucas? E aí cara, beleza? Brother, eu tô te ligando pra saber se ta tudo bem aí contigo, com o Juan, a Natália... Por quê? Por nada não, cara, eu tive um sonho ruim essa noite, que vocês três tinham sofrido um acidente...”.

A estratégia era simples. Com o pretexto de um pesadelo envolvendo os três, Marcos pediria como eles estavam. Se houvesse alguma novidade, Lucas certamente contaria.

Porém, a reação não foi a esperada.

Cara, não brinca com isso. Sério isso? Meu Deus! A minha mãe me disse agora pouco no café que também teve um sonho ruim comigo. Puta merda velho, eu não acredito muito nessas paradas, mas agora to gelando aqui...”.

Marcos passou o resto da ligação tentando acalmar o amigo.


E desligou sem saber como estava Natália.