quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Só as crianças são felizes


 Mudar de endereço dá muito trabalho, mas mais do que uma mudança de espaço físico, é um reencontro com o passado. Você vai arrumar suas coisas e encontra objetos que já haviam sido esquecidos há muito tempo. Um carrinho antigo. Um bilhete amassado. Aquele álbum de figurinhas que deu tanto trabalho para completar. As fotos de um passeio no ensino médio.

 Mudar-se é também nostalgia. É dar uma olhada para trás antes de seguir em frente.

 E nesse processo, encontrei um álbum cheio de fotos da minha infância. Tento lembrar como eu era, como eu pensava, mas é um esforço inútil. Tudo o que sei se resume em uma frase: fui uma criança feliz.

 Posso ser muito bem sucedido daqui pra frente, posso ter belas mulheres ou o amor correspondido de uma só, posso conquistar o mundo inteiro, mas jamais serei tão feliz quanto fui quando era criança.

 Por um motivo simples: só as crianças podem ser plenamente felizes. As crianças, com seus risos e choros espontâneos, com seus olhões arregalados que observam o mundo que as cerca, apenas elas podem compreender o que realmente importa na vida, e por isso, serem felizes.

Observe uma delas, ainda em tenra idade: ela não quer saber dos problemas da política ou da economia, não se interessa pela discussão na casa do vizinho, nem se o Internacional vai conseguir disputar a próxima Libertadores.

Tudo o que ela quer é brincar. E a criança sabe que a brincadeira terá mais graça se tiver mais alguém participando. Ela pode até brigar por causa de um brinquedo, mas em poucos minutos terá esquecido a desavença. A criança sabe, resumidamente, que o Outro é o mais importante.

 E assim, respeitando o Outro naquilo que ele é diferente – e as pessoas são diferentes em tudo -, para que tenha alguém com quem brincar, ela é feliz.

 Nós, os adultos, nós temos preocupações, nós estamos sempre atrasados, nós nos estressamos no trânsito, nós discutimos religião, nós traímos, nós guardamos mágoas, nós nos perdemos em crises existenciais e enriquecemos os psicanalistas depois de despejar nossas frustrações em um consultório branco.

 Por quê? Porque esquecemos da criança que um dia fomos. Esquecemos que na vida, o mais importante não é a política, a economia, ou a religião. O mais importante é a convivência com as outras pessoas, é a diversão que isso gera.

 Hoje mesmo muitas pessoas estão criando inimizades por causa da eleição de daqui a alguns dias. É uma pena. Deveriam se discutir projetos, idéias, convicções, e não reputações. Deveria se tolerar que o as pessoas são todas diferentes, por isso votam em candidatos diferentes.

 Quem não poupa argumentos ferozes em discussões nas redes sociais, quem vai dormir com raiva do colega que é do outro partido, deveria procurar lembrar da criança que um dia foi.

 Talvez, lembraria também o que realmente importa, talvez se desse conta de que nenhuma mágoa vale a pena, e assim, quem sabe fosse também um pouco mais feliz.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Honrar o fio do bigode


Quando eu era criança, não entendia muito bem o que meu avô queria dizer quando falava que "um homem só é homem quando sabe honrar o fio do bigode". Afinal, a maioria dos homens que eu conhecia não possuía bigode, nem mesmo o meu avô.

Algum tempo depois, compreendi. Um homem pode ser mais ou menos inteligente, pode ser rico ou pobre, bonito ou feio, gremista ou colorado; mas não pode contradizer os seus valores, aquilo que ele acredita. Não pode trapacear jamais.

Um homem de verdade precisa ter fibra moral. Precisa honrar o bigode.

O cenário político de Igrejinha mostra que muita gente não sabe mais o que é isso, não sabe o que é honrar o fio do bigode. Então pessoas que jamais se suportaram fazem uma coligação de interesses e ninguém parece se importar. Não importa nem o que foi dito em outros momentos, porque para o oportunista tudo o que vale é o momento atual e como ele pode se beneficiar disso.

Sei que existem pessoas dignas apoiando isso, engajados nessa contradição.

Não deveria.

Pessoas dignas não apoiam contradições.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O cachorro que desapareceu



Eram quatro amigos.

 Cresceram juntos, estudaram na mesma escola, moravam perto um do outro; e ali naquelas ruas esburacadas da pequena cidade do interior, formaram aquele laço de cumplicidade que só os jovens conseguem formar.

 O quinto do grupo era Tupã, um desses cachorros grandões de raça indecifrável, com pêlo espesso e orelhas tristemente caídas, que aparecera ninguém sabia de onde e se instalara nos fundos da casa de Pedro. Pedro era o mais velho do grupo, e apesar da relutância inicial, apegou-se ao cão rapidamente.

 Fazia calor na tarde de janeiro em que Pedro apareceu na casa de Renato, sem seu fiel escudeiro do lado.

 - Cadê o Tupã? – estranharam os amigos.
 - Não vi ele hoje ainda. Deve estar atrás de alguma cadelinha por aí...- maliciou Pedro.

 Mas, para desespero do grupo e comoção de todo o bairro, Tupã não voltou mais naquele dia, e nem nos dias mormacentos que se sucederam naquele mês claro e ao mesmo tempo terrível.

 Tupã sumiu.

 Não deixou carta de despedida, desapareceu sem dar o seu latido de adeus, sua lambida derradeira, sua última fungada no canto da casa.

 Com o tempo Tupã foi esquecido, virou uma daquelas lembranças boas, mas distantes; daquelas que a gente se pergunta se realmente aconteceram, como um amor de verão.

 Todos esqueceram Tupã, menos Pedro.

 Em cada um dos milhares de cachorros que Pedro via em sua vida, todos tinham pelo menos algum traço de Tupã, todos eram também, de alguma forma, o seu Tupã, o seu amigo leal que havia desaparecido para nunca mais voltar.

 Foi assim por muito tempo, até o dia em que a namorada chegou em casa mais cedo, sorridente. Trazia consigo uma surpresa. Um pequeno poodle preto, com ar amedrontado, que parou na entrada, aflito.

 Pedro levantou-se trêmulo, e assim trêmulos - ele e o poodle-, os dois se encararam por alguns segundos, até que perceberam que podiam confiar um no outro.

 Então, Pedro abaixou-se lentamente e afagou o pêlo do cão com ternura.

- Tupã... – murmurou.
- Não, amor – quis corrigir a namorada – o nome dele é Fred.

E Pedro sorriu para si mesmo, como quem compreende algo que está muito além do que a namorada pode compreender.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

O que o homem busca em uma mulher


 Toda adolescente quer sentir-se bonita, quer sentir que agrada aos demais, seja física ou intelectualmente. Mais do que vaidade, é uma questão de autoestima. Já ouvi falar até mesmo que uma mulher se arruma para as outras mulheres, tamanha é a disputa no universo feminino, ainda que as mulheres raramente admitam isso. Todas querem ser a que mais agrada.

 E agora eu vou falar o que realmente atrai os homens. Vou entregar de bandeja, sem cobrar nada. É urgente que muitas adolescentes, que muitas mulheres até leiam isso.
Vou escrever com letra maiúscula, escandindo as sílabas, porque esse é um aprendizado muito importante, é básico isso, e muita gente não se dá conta.

 Um homem pode querer muitas coisas de uma mulher, muitos atributos, mas o mais importante, o que todo homem busca em uma mulher é o MIS-TÉ-RIO.

É preciso que haja mistério, é preciso que a mulher se entregue aos poucos, seja de corpo, mente ou alma, porque todos os homens ambicionam CONQUISTAR uma mulher.

Aí está uma característica que une todos os machos da nossa espécie: nós queremos ser conquistadores, queremos o que os outros não conseguiram.

Existem muitas garotas que estão acabando com a conquista, que é a grande graça de todo envolvimento. Na busca de se sentirem sensuais, de se sentirem atraentes, acabam extrapolando, e fazem tudo errado.

A sensualidade é algo implícito, algo sutil; jamais escancarado.

A sensualidade pode ser percebida no Tango por exemplo. São sons e movimentos que criam um clima que propicia o seu surgimento. Não existe indecência em uma dança de tango.

Essa sensualidade, quando é forçada, quando é escancarada, quando é explícita, se torna pornografia.

E pornografia pode até atrair; mas seu efeito é de curta duração. Porque pornografia dá aquela sensação de que não há nada mais a ser explorado, de que é fácil. E o fácil, como se sabe, não tem graça.

Por isso tudo é que é incompreensível que vazem tantas fotos de meninas nuas, e é incompreensível que tantas meninas, algumas ainda em tenra idade, se deixem filmar em poses e cenas eróticas. Essas meninas estão se entregando de bandeja, estão se expondo demais, e isso é ruim pra elas mesmas.

Se tornam um brinquedo fácil, sem graça, daqueles que você brinca no primeiro dia e depois deixa atirado em um canto qualquer da casa.

Por isso, há que se ter o mistério.

A vida precisa ter conquistas. Precisa ter graça.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Contra a implantação da UPA em Igrejinha

Nos últimos dias pipocaram aqui e ali discussões sobre a viabilidade jurídica de se implantar uma UPA em Igrejinha, que tem menos de 50 mil habitantes. Ainda que a opção se torne viável, a discussão não deveria ser jurídica, deveria ser sobre o projeto em si.

Li no site do Ministério da Saúde que as UPAs funcionam 24 horas por dia, sete dias por semana, e
têm o objetivo de resolver grande parte das urgências e emergências, como pressão e febre alta, fraturas, cortes, infarto e derrame. As UPAs devem oferecer estrutura com Raio X, eletrocardiografia, pediatria, laboratório de exames e leitos de observação. Atendem de 50 a 150 pacientes por dia. Numero mínimo de médicos por plantão: Dois médicos, sendo um pediatra e um clínico geral.

Ou seja: seria praticamente um segundo hospital.

Para Igrejinha, que tem população de pouco mais de 30 mil pessoas, o custo anual para manter uma UPA giraria e m torno de R$ 420.000,00. Esses valores seriam pagos com repasse do Ministério da Saúde e contrapartida municipal.

Aí é que está o problema. Não seria melhor que os valores que serão usados nessa contrapartida fossem investidos diretamente no Hospital Bom Pastor, que já existe?

Mesmo que seja um dos melhores da região, nosso Hospital possui carências, pequenas e grandes, como qualquer hospital público brasileiro.

Na semana retrasada meu avô esteve internado ali por três dias. Amanhã ou depois podem ser outros familiares, podem ser amigos meus, pode ser que eu precise do atendimento daquele Hospital.

E quando isso acontecer, eu não quero ter várias opções. Prefiro ter só um lugar para ir, mas que este lugar seja bom, que os médicos dali sejam bem pagos e estejam motivados, que sua aparelhagem seja a mais moderna, que sua estrutura seja a melhor possível.

Assim se investe em saúde: qualidade é mais importante do que quantidade.

Não podemos perder o foco e descentralizar os investimentos. Não se pode errar quando o assunto é saúde pública, mesmo que com boas intenções.

A tolice mais perigosa é a bem-intencionada.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Paixão na parada de ônibus


  Fazia frio naquela manhã chuvosa de segunda-feira.

 Fred chegou na parada de ônibus, com os pés encharcados, xingando palavrões para si mesmo e pensando com raiva: pode acontecer algo bom em uma manhã assim?

 Como uma resposta dos deuses do Universo, ele a viu.

 Morena clara, os longos cabelos cacheados, um ar de vago desinteresse, sentada a um canto, provavelmente também esperando o ônibus.

 O mundo, afinal, não é tão ruim assim, pensou, enquanto contemplava aquela mulher. O que ela tinha que o deixava tão fascinado? Encolhida de frio, ela não poderia ser tão bonita assim...

 Mas havia algo mais, algo subentendido por trás de seu semblante delicado, um ar de... de  mistério talvez... Era isso! Ali estava uma mulher misteriosa, uma mulher diferente de todas as outras, uma mulher que pedia para ser desvendada, para ser explorada em todas as suas possibilidades, uma mulher com conteúdo!

 E aqueles olhos? Fred tinha a impressão de que aquele olhar que fitava o vazio era tão profundo que poderia afogar quem o contemplasse por muito tempo.

 Era preciso agir, mas como se aproximar dela, sem sequer saber seu nome? O que dizer para não assustá-la?

 Os minutos se sucediam, e Fred naquela muda expectativa de quem não sabe se terá ou não coragem de fazer aquilo que deseja, molhava-se cada vez mais, agora já não se importando com isso, não se importando com o que quer que fosse.

 E então, ele viu horrorizado o alvo de seu encantamento levantar-se lentamente e entrar no carro que acabara de encostar. Um baque surdo da porta se fechando, e com o baque a percepção súbita de que jamais a veria novamente.

 Era o fim.

 Um final doloroso, porque acabava com algo que sequer havia acontecido, e o amor que dói mais é aquele que não se realizou.

 O ônibus de Fred enfim chegou, e ele partiu, agora mais derrotado do que nunca, pensando desolado: pode acontecer algo bom em uma manhã assim?

domingo, 2 de setembro de 2012

Míseros sete reais


 Confesso que fiquei um pouco chateado hoje depois que saí do posto da Brigada Militar, com a carteira que eu havia perdido na quinta-feira passada; agora recuperada.

 Alguém a encontrou e deixou lá, para que os policiais pudessem me entregar.

 Esse alguém entendeu que seria justo devolver a carteira e os meus documentos, que afinal me fariam muito falta, mas achou também que deveria ficar com o dinheiro que a carteira continha, e assim fez.

 Uma nota de 2 e uma de 5.

 Míseros sete reais, e a pessoa ficou com eles.

 Não é pelo valor. Não empobreci, nem a pessoa enriqueceu com isso. O que me chateou mesmo foi a atitude tomada. Afinal, a consciência de se ter uma dignidade limpa, de saber que você não está usufruindo de algo que não lhe pertence, pode valer menos do que apenas sete reais? Quem é que aceita se corromper por tão pouco?

 Infelizmente, muita gente.

 Não é o pensamento de todas as pessoas, nem da maioria delas, mas é o de muita gente: “como eu posso tirar vantagem disso?”.

  Em todos os lugares, em todas as situações, o que mais se busca é a vantagem, o lucro.   

 Se o valor fosse maior, continuaria sendo errado. Continuaria sendo feio. Tomar para si sete reais é tão feio quanto tomar 7 mil,  porém com o triste agravante de ser uma corrupção extremamente barata.