terça-feira, 28 de julho de 2015

Os segredos de Susanita

Ninguém tinha tempo ou interesse para ouvir o que Susanita tinha a dizer. E eram tantas coisas! As descobertas na escola, a discussão com a melhor amiga, a inconformidade em ter que arrumar o quarto todo santo dia, a paixão secreta pelo vizinho, um garoto bonito e dois anos mais velho. Pensando bem, algumas coisas Susanita preferia que ninguém soubesse. Corava só de imaginar que seus segredos pudessem um dia ser revelados ao mundo. Sentia-se boba de repente, e os pensamentos iam longe.

Pensou em ter um amigo imaginário. Mas...muito sem graça! Além do mais, se era para falar com alguém invisível, então ela poderia muito bem continuar apenas com os próprios pensamentos. Foi a dinda Vitória, a mulher mais linda que Susanita conhecia, quem encontrou a solução para o problema.

Sem necessidade de data especial ou comemoração, em um desses almoços de domingo, a dinda lhe trouxe um presente. Em um pequeno embrulho amarelo, havia um caderno, que depois Susanita identificou como sendo, na verdade, um diário.

- Tu já está ficando mocinha – disse a dinda Vitória – daqui uns tempos, vai querer lembrar como pensava no passado – encerrou ela, piscando.

Radiante, a menina desandou a escrever. Faltavam folhas para dar conta de tantas ideias. Umas bem malucas, aliás. Mas não tinha problema, porque a garota jamais relia aquelas linhas. Depois que a caneta feria o papel, era como se aqueles segredos não fossem mais dela, e ela não tinha o direito de violá-los.


Era esse o trato. Susanita não lia os segredos do diário, e o diário protegia os pensamentos de Susanita.

Somos o que há de melhor


Queria ser muito daquilo que não sou. Queria esperar menos das pessoas. Não me preocupar tanto com o futuro. Acordar tarde. Encher a cara em plena terça-feira. 

Onde estão os cigarros, a bebida, as orgias?

Ser assim, um pouco irresponsável. Há uma certa poesia em quem não leva nada tão a sério, se espreguiça com leveza, com quem tem aquele ar vagamente perdido de sempre estar decidindo para o onde vai.

Sei que o mundo precisa de um pouco de irracionalidade às vezes. A vida já tem manchetes negativas demais: crise política, a alta da luz, o 7 a1.

Queria não estar nem aí. Arrependimentos? Nunca! 

Ah! Se pudéssemos ser tão bons quanto achamos que somos! 

Enquanto aquela velha hipocrisia nos cega, somos o que há de melhor. 

E de pior também.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

A morte nossa de cada dia

Morri ontem, ao fechar os olhos antes de dormir. Morri hoje, logo depois de depositar a xícara borrada de café em cima da pia. Provavelmente, terei morrido outra vez, após terminar de escrever este texto que você está lendo. Morremos várias vezes todos os dias, mesmo sem flores, sem choro e sem cochichos nos cantos de uma sala fúnebre.

 Procuro em vão recuperar a criança que um dia fui, mas até mesmo minhas recordações são traiçoeiras. Ao olhar para trás, o faço com os pensamentos de hoje. Não posso saber o que eu pensava, o que eu temia, quais eram minhas ilusões e devaneios. Lembranças difusas se misturam com lacunas que a minha imaginação procura completar, e que muito devem estar distantes da realidade.

Resigno-me a aceitar que aquele menino magricelo ainda possa existir, quem sabe em algum lugar do tempo, jogando bola na rua até o céu escurecer.

O tempo é intransigente. Mata aos poucos. Nessa reciclagem diária, nos afastamos lentamente do que éramos. Quando nos damos conta de nossas muitas mortes? Quando, enfim, deixamos de reconhecer como parte nossa o passado que um dia habitamos? Para onde foi aquele desejo? Para onde foi aquela leveza? Onde andarão os planos apaixonados daqueles fins de tarde?

O que mudaria se soubéssemos a data de nossa morte?


O que mudaria se nos déssemos conta de que já estamos morrendo?