segunda-feira, 13 de julho de 2015

A morte nossa de cada dia

Morri ontem, ao fechar os olhos antes de dormir. Morri hoje, logo depois de depositar a xícara borrada de café em cima da pia. Provavelmente, terei morrido outra vez, após terminar de escrever este texto que você está lendo. Morremos várias vezes todos os dias, mesmo sem flores, sem choro e sem cochichos nos cantos de uma sala fúnebre.

 Procuro em vão recuperar a criança que um dia fui, mas até mesmo minhas recordações são traiçoeiras. Ao olhar para trás, o faço com os pensamentos de hoje. Não posso saber o que eu pensava, o que eu temia, quais eram minhas ilusões e devaneios. Lembranças difusas se misturam com lacunas que a minha imaginação procura completar, e que muito devem estar distantes da realidade.

Resigno-me a aceitar que aquele menino magricelo ainda possa existir, quem sabe em algum lugar do tempo, jogando bola na rua até o céu escurecer.

O tempo é intransigente. Mata aos poucos. Nessa reciclagem diária, nos afastamos lentamente do que éramos. Quando nos damos conta de nossas muitas mortes? Quando, enfim, deixamos de reconhecer como parte nossa o passado que um dia habitamos? Para onde foi aquele desejo? Para onde foi aquela leveza? Onde andarão os planos apaixonados daqueles fins de tarde?

O que mudaria se soubéssemos a data de nossa morte?


O que mudaria se nos déssemos conta de que já estamos morrendo? 

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