segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Adiando a felicidade

   
Quando penso no sentido da vida, lembro da história de Noé. Você sabe quem foi Noé, claro que sabe. Pois esse mesmo Noé, da arca e do dilúvio, ele viveu novecentos anos.

Deve ter sido uma vida chata. E pior; triste.

Porque as coisas boas da vida sempre carregam consigo uma sensação de brevidade, de algo passageiro. As férias passam voando. Um riso ou um orgasmo duram poucos segundos. Logo, algo longo demais parece algo ruim, interminável.

Uma vida de novecentos anos é uma vida de despedidas, em que uma parcela muito pequena, quase insignificante, representa a juventude. A infância e a adolescência, justamente as melhores fases da vida, ficam pequenas demais em um período tão longo.

Um homem mais velho é provavelmente mais sábio, mas sabe que a sabedoria lhe custou um preço alto: as desilusões. Com o tempo, perdemos a ilusão do amor perfeito, do mundo pacífico, das pessoas que jamais mentem. A desilusão ensina, mesmo que nem sempre queiramos aprender suas lições.

Por saber de tudo isso, me compadeço de Noé. Eu, se pudesse escolher, não quereria viver tanto. Mesmo que estejamos sempre reclamando da falta de tempo, no fundo a gente sabe que é tudo uma desculpa. Quem sabe amanhã, dizemos. E vamos deixando para depois. E, por deixar para depois, nunca aprendemos a tocar aquele instrumento. Nunca ligamos para ela. A viagem fica para outra hora. A brincadeira na chuva, para os mais jovens. Até os erros são deixados para depois.

Não somos imortais. Não vivemos novecentos anos. Mas, mesmo assim, adiamos tudo o que queremos fazer. Deixamos de aproveitar o dia, a vida. Que bom que não vivemos tanto. Seria ainda mais triste adiar a felicidade por tanto tempo.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Um novo pacto federativo


Desde a redemocratização, praticamente todos os partidos políticos já estiveram à frente do governo do Rio Grande do Sul. Por isso, é difícil apontar um único grupo de responsáveis pela degradação das contas públicas do estado, que, inexoravelmente, foram se fragilizando mandato após mandato, influenciadas por incontáveis fatores internos e externos; com a contribuição de governos que gastaram mais do que arrecadaram. Além disso, nos momentos de crise econômica, de nada adianta encontrar culpados. É preciso que, através da união dos gaúchos, sejam tomadas medidas que nos permitam reencontrar o fôlego financeiro das contas públicas.

Para isso, em qualquer sociedade moderna, a Educação deve ser a prioridade das prioridades. Não é à toa que o lema do governo federal é “Brasil, pátria educadora”. Contudo, apenas uma frase de efeito não basta para construir uma educação digna no nosso país. O primeiro passo é a valorização da carreira docente, que hoje tem sido a escolha de poucos abnegados. Com professores bem pagos e melhor preparados, abre-se o caminho para as grandes reformas que nosso sistema educacional necessita.

Voltando ao cenário gaúcho, vemos com tristeza que o agravamento da crise financeira impede até mesmo que o piso salarial do magistério seja pago aos professores da rede estadual. Neste caso, não se pode nem dizer que é por falta de vontade política. O pagamento do valor mínimo, estipulado por lei aos professores ativos e inativos, acarretaria em um acréscimo anual de três bilhões de reais em uma folha de pagamento que atualmente é de seis bilhões/ano.

É desolador constatar que o Rio Grande do Sul está de mãos amarradas em uma questão tão crucial. Mais uma vez, fica evidente a necessidade de um novo pacto federativo, que permita aos estados e município ter mais autonomia financeira, em vez de assistirem à maior parte da carga tributária indo para os cofres da União. Outro ponto fundamental a ser destacado é que, com uma distribuição mais justa das fatias tributárias, os cidadãos teriam a oportunidade de acompanhar mais de perto a forma com que o dinheiro dos impostos é utilizado, além de poder cobrar diretamente prefeitos e governadores pela gestão e aplicação desses recursos.


Sendo o Brasil um dos países com uma das cargas de impostos mais pesadas do mundo, não restam dúvidas de que há sim dinheiro para que as demandas dos brasileiros sejam atendidas de forma mais eficaz, com serviços públicos eficientes e a valorização dos profissionais que atuam diariamente em áreas vitais como saúde, segurança e educação. Mas, para isso sair do papel, faz-se necessária uma mudança urgente na forma com que estão sendo divididas as fatias do bolo tributário.

(publicado na página 2 do Jornal Integração em 15/01/2015)

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

As férias e os amores de verão

As pessoas não tiram mais férias. Talvez já tenham tirado em tempos remotos, mas não mais. Agora, somos todos prisioneiros das redes sociais. Não basta que o dia esteja lindo, a vista deslumbrante ou que as companhias sejam divertidas, precisamos também de uma foto, uma imagem que comprove o quanto estamos felizes.

Há casos piores, de pessoas que levam trabalho para a beira do mar. Trocam o terno e a xícara de café por calções coloridos e água de coco, enquanto resolvem os mesmos problemas do ano todo. "Não posso me desligar", dizemos. É isso: não é uma opção. Trata-se de algo mais forte do que a nossa vontade.

Sim, as férias se foram. Aquelas em que ficávamos vários dias em uma cidade distante, e depois voltávamos ansiosos para contar aos amigos todos os detalhes daqueles dias dourados. Agora, eles já sabem de tudo em tempo real. Há outras coisas que pareciam eternas, e também se foram, como o msn, a internet discada e a Tv Globinho. Umas ótimas, outras péssimas, as coisas vão se tornado cada vez mais passageiras. Quando acabarem os amores de verão; aí sim, não haverá mais esperança para a humanidade.

Os amores de verão são a prova de que as pessoas ainda podem ser leves, cantar na chuva, morrer de amores, tomar um porre, ficar com raiva, ciúme e desejo, tudo ao mesmo tempo; e depois deixar tudo passar. Como a lembrança de um sonho agitado e bom.

Por enquanto, o certo é que não nos desligamos mais. Não diminuímos o ritmo. Estamos sempre com a cabeça em outro lugar, em outras pessoas. Já não se pode chegar sem fazer check-in. Já não se pode sair sem uma prova para compartilhar. Já não se pode mais tirar férias, esquecer do resto do mundo. Não podemos nos desligar.

Sou uma ameaça

Aconteceu algo inusitado quando visitei a praia do Rosa, em Imbituba, na semana passada. Centenas de carros se aglomeravam na entrada. O acesso para a praia era difícil, e eu não estava encontrando lugar para estacionar. Para piorar, o estacionamento mais próximo cobrava exorbitantes cinquenta reais. Então, fez-se a luz: vi um lugarzinho, debaixo de algumas árvores, a um canto da estrada. Fiquei na dúvida se poderia estacionar ali, mas percebi que outros motoristas faziam o mesmo, então segui em frente.

Quando me preparava para desembarcar, um policial passou por mim, em uma motocicleta, observando tudo. Não fez nenhum tipo de sinal de que eu não poderia deixar o carro ali. Tudo bem, pensei, olhando para o policial.

Triste engano.

Ficamos na praia por alguns minutos, apenas o tempo de tirar algumas fotos, e, quando retornamos, encontrei o mesmo policial ao lado do carro, anotando uma multa. Por uma razão simples: ele não estava lá para orientar o acesso à praia, estava lá para multar.
Sei que é a mesma lógica dos policiais rodoviários que se posicionam atrás de árvores, alguns metros depois dos controladores de velocidade. Ora, é óbvio que logo depois do pardal, ninguém poderá acelerar tanto a ponto de estar a uma velocidade perigosa. Certamente, não passará de uns 15 ou 20% do limite.

 Mesmo assim, eles estão lá, à espreita desses "perigosos" motoristas. Agora, imagine se esses agentes da lei estivessem a serviço REALMENTE de evitar acidentes? Muito melhor, não? Mas,não. Eles estão ocupados demais, prestando atenção em você e em mim. Somos uma ameaça. Uau!

Faço essa reflexão não para dizer que me sinto injustiçado: até porque, se existem leis, elas devem sim ser cumpridas.Há policiais com bom senso, posso afirmar que sim, eu mesmo conheço vários. Por que não são todos assim? Por que alguns fazem com que a população tenha medo da polícia, em vez de enxergar nela um órgão capaz de defendê-la? Por que o Estado não se preocupa mais com meu bem estar, em vez de me vigiar e punir?

O Estado é leniente com a corrupção que desvia recursos vultuosos e ineficaz para controlar os índices de criminalidade que assolam o país, mas é atento e eficaz para me fiscalizar e cobrar que eu tenha um extintor novo no carro. Como se resolve isso? Com uma visão diferente, que se preocupe mais com as pessoas. É para isso que deve existir qualquer serviço público: para facilitar a vida das pessoas.