quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

A violência na Literatura

Esta monografia versa sobre a trajetória brasileira constituída em um cenário de violência e opressão do Estado sobre seus cidadãos e da influência para a literatura da fragmentação do sujeito imerso nesse contexto. Partindo da premissa de que para o presente fazer sentido é necessária a compreensão dos processos históricos que nos trouxeram até aqui, inicialmente são analisadas as diferentes estratégias de legitimação que permearam governos autoritários no século 20, até a deflagração do golpe civil-militar, em 1964. 

A partir disso, os efeitos causados pela repressão cultural do regime nos anos de chumbo, além de sua interferência nas condições de produção na música e na literatura, são analisados com a exemplificação dos elementos constitutivos da canção Apesar de Você, composta em 1978, por Chico Buarque. 

No que tange às cicatrizes deixadas pelo período civil militar, é realizada a análise da narrativa testemunhal do romance O Irmão Alemão, escrito em 2014 também por Chico Buarque, no qual é investigada a representação do trauma e da fragmentação de um sujeito distópico.

Como citar a monografia:
LORO, Luis Felipe. Distopia e Trauma no romance O Irmão Alemão, de Chico Buarque. Novo Hamburgo/RS: Editora Feevale, 2015.


terça-feira, 28 de julho de 2015

Os segredos de Susanita

Ninguém tinha tempo ou interesse para ouvir o que Susanita tinha a dizer. E eram tantas coisas! As descobertas na escola, a discussão com a melhor amiga, a inconformidade em ter que arrumar o quarto todo santo dia, a paixão secreta pelo vizinho, um garoto bonito e dois anos mais velho. Pensando bem, algumas coisas Susanita preferia que ninguém soubesse. Corava só de imaginar que seus segredos pudessem um dia ser revelados ao mundo. Sentia-se boba de repente, e os pensamentos iam longe.

Pensou em ter um amigo imaginário. Mas...muito sem graça! Além do mais, se era para falar com alguém invisível, então ela poderia muito bem continuar apenas com os próprios pensamentos. Foi a dinda Vitória, a mulher mais linda que Susanita conhecia, quem encontrou a solução para o problema.

Sem necessidade de data especial ou comemoração, em um desses almoços de domingo, a dinda lhe trouxe um presente. Em um pequeno embrulho amarelo, havia um caderno, que depois Susanita identificou como sendo, na verdade, um diário.

- Tu já está ficando mocinha – disse a dinda Vitória – daqui uns tempos, vai querer lembrar como pensava no passado – encerrou ela, piscando.

Radiante, a menina desandou a escrever. Faltavam folhas para dar conta de tantas ideias. Umas bem malucas, aliás. Mas não tinha problema, porque a garota jamais relia aquelas linhas. Depois que a caneta feria o papel, era como se aqueles segredos não fossem mais dela, e ela não tinha o direito de violá-los.


Era esse o trato. Susanita não lia os segredos do diário, e o diário protegia os pensamentos de Susanita.

Somos o que há de melhor


Queria ser muito daquilo que não sou. Queria esperar menos das pessoas. Não me preocupar tanto com o futuro. Acordar tarde. Encher a cara em plena terça-feira. 

Onde estão os cigarros, a bebida, as orgias?

Ser assim, um pouco irresponsável. Há uma certa poesia em quem não leva nada tão a sério, se espreguiça com leveza, com quem tem aquele ar vagamente perdido de sempre estar decidindo para o onde vai.

Sei que o mundo precisa de um pouco de irracionalidade às vezes. A vida já tem manchetes negativas demais: crise política, a alta da luz, o 7 a1.

Queria não estar nem aí. Arrependimentos? Nunca! 

Ah! Se pudéssemos ser tão bons quanto achamos que somos! 

Enquanto aquela velha hipocrisia nos cega, somos o que há de melhor. 

E de pior também.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

A morte nossa de cada dia

Morri ontem, ao fechar os olhos antes de dormir. Morri hoje, logo depois de depositar a xícara borrada de café em cima da pia. Provavelmente, terei morrido outra vez, após terminar de escrever este texto que você está lendo. Morremos várias vezes todos os dias, mesmo sem flores, sem choro e sem cochichos nos cantos de uma sala fúnebre.

 Procuro em vão recuperar a criança que um dia fui, mas até mesmo minhas recordações são traiçoeiras. Ao olhar para trás, o faço com os pensamentos de hoje. Não posso saber o que eu pensava, o que eu temia, quais eram minhas ilusões e devaneios. Lembranças difusas se misturam com lacunas que a minha imaginação procura completar, e que muito devem estar distantes da realidade.

Resigno-me a aceitar que aquele menino magricelo ainda possa existir, quem sabe em algum lugar do tempo, jogando bola na rua até o céu escurecer.

O tempo é intransigente. Mata aos poucos. Nessa reciclagem diária, nos afastamos lentamente do que éramos. Quando nos damos conta de nossas muitas mortes? Quando, enfim, deixamos de reconhecer como parte nossa o passado que um dia habitamos? Para onde foi aquele desejo? Para onde foi aquela leveza? Onde andarão os planos apaixonados daqueles fins de tarde?

O que mudaria se soubéssemos a data de nossa morte?


O que mudaria se nos déssemos conta de que já estamos morrendo? 

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Um velho aprendizado


Suspeita-se que o ódio de Hitler pelos judeus nasceu ainda na infância, quando ele passou por uma experiência traumática com a morte prematura de sua mãe. É possível. Já escrevi outras vezes que o que somos e tudo aquilo em que acreditamos se baseia principalmente nas experiências da infância e da adolescência.

Eu, por exemplo. Lembro de uma tarde cinzenta. Eu tinha uns três anos, talvez quatro, e assistia à minha mãe preparando alguns sanduíches. Pareciam apetitosos, então, decidi que não descansaria enquanto não pudesse experimentar um deles. A verdade é que incomodei muito para ganhar aquele pedaço de pão. Não cedi nem mesmo aos argumentos de que havia acabado de almoçar

Ameacei chorar. Com crianças e mulheres, você sabe, é melhor evitar o choro, porque ninguém sabe bem como fazer depois para contornar a situação. Por fim, ganhei o tão esperado sanduíche. Mordisquei-o com interesse, depois cheguei à conclusão de que, realmente, eu não sentia fome alguma. Além do mais, aquele sanduíche tinha um gosto amargo, que mais tarde eu descobriria ser de mostarda. E agora?, pensei. O que fazer?

Disfarcei, e lentamente fui me dirigindo para os fundos do quintal. Quando ninguém estava olhando, joguei fora o quase intocado sanduíche. Desconfio que não o tenha escondido muito bem, porque meu delito infantil foi descoberto em pouco tempo, e rendeu umas boas ralhadas de minha mãe.

O que tirei de lição deste dia?

Não se deve comer nada com mostarda.

Jamais.

Incrível como as experiências da infância nos ensinam.

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Maioridade penal: maquiando o problema


Falávamos ontem, durante uma aula na Feevale, sobre a dificuldade do brasileiro em debater questões polêmicas. Aliás, até já escrevi sobre isso. Aqui, ou você é a favor, ou contra. Não há espaço para a ponderação e nem para a análise de opiniões contrárias.

Os argumentos frágeis de ambos os lados expõem a fragilidade de um povo que não se sente amparado pelo Estado, e ao se sentir desprotegido, tenta resolver seus problemas de insegurança do modo que lhe parece mais fácil, mas que tende a dar terrivelmente errado.

Nestes dias em que se discute a redução da maioridade penal, é preciso reconhecer que o sistema presidiário brasileiro faliu. De Norte a Sul, o que temos são cadeias superlotadas, presos em condições sub-humanas, e o comando da criminalidade continua sendo feito de dentro das celas fétidas do Brasil. Ali, homens enclausurados dividem o espaço com ratos, contraem doenças, são currados pelos colegas de prisão; e, obviamente, saem piores do que entraram. Talvez isso explique o índice de reincidência nas prisões ser de 70%.

Há presos demais no Brasil. A grande maioria por causa do tráfico de drogas. Regulamentar o comércio da maconha, como o Uruguai fez com sucesso, seria uma das soluções que amenizaria esse problema. Além disso, em um país que a educação fosse prioridade de fato - e não apenas slogan governamental -, em um país que dá condições mais igualitárias aos seus cidadãos, certamente menos jovens recorrem à criminalidade.

Aos que se escandalizam com a possibilidade, uma informação importante: na Holanda, há menos usuários de maconha hoje do que quando o consumo era proibido. Ou seja: uma substância lícita parece perder seu poder de atração sobre os jovens. E mais: legalizar não é incentivar o consumo, trata-se apenas de regulamentar algo que o Estado jamais foi capaz de combater.


Os estudos sociológicos e criminalísticos que evidenciam a ineficiência da redução da maioridade penal no combate à violência não podem ser ignorados, nem o fracasso de outros países que tentaram medidas semelhantes no passado. Precisamos tratar as causas, e não os efeitos da criminalidade. E, acima de tudo, precisamos debater essas questões com mais razão e menos emoção.

domingo, 29 de março de 2015

Que mulher chata!


Foi um amigo meu quem me disse, dias atrás: “Sabe aquela gostosa? Conversei com ela. E, cara, ela é muuuuuito chata!”.

Fiquei impressionado, porque aprendi a não menosprezar a ênfase de uma palavra com as vogais estendidas dessa forma. Meu amigo estava realmente decepcionado. Também pudera. Endeusou quem não merecia ser endeusada. Aliás, existirá alguém que mereça? Duvido.

Mas o fato é que, tanto para homens quanto para mulheres, chatice embaranga. De nada adianta ter uma bunda de parar o trânsito, ou um bíceps avantajado; se o seu papo for entediante. Nestes tempos em que está tão fácil conseguir sexo casual, ter algum conteúdo é um grande diferencial.

E aqui, faço um adendo. Não tenho nada contra o sexo casual, pelo contrário, acho que o mundo seria um lugar melhor se as pessoas se aproveitassem mais; mas acho triste imaginar que possa existir alguém – homem ou mulher -, que possa ser classificado em “para transar” e nada mais.

Roupas de marca, maquiagem, a aparência física. Tudo isso pode até ajudar uma pessoa a se tornar mais atraente, mas, se esses forem os seus únicos investimentos realizados em si mesmo, você corre o risco de desapontar as pessoas ainda na primeira conversa.


O que aconselhei ao meu amigo? Simples: pessoas chatas ou sem conteúdo, melhor deletar. Nenhuma bunda vale tanto sacrifício.

segunda-feira, 16 de março de 2015

Cinco mitos sobre o regime militar no Brasil

1) A ditadura brasileira foi leve
Por mais que os números de crimes cometidos por regimes militares em outros países, como Chile e Argentina, seja bem maior do que o Brasil, isso não pode fazer com que se minimizem os assassinatos e torturas cometidos no nosso solo. Além disso, as fontes oficiais não consideram pessoas que seguem desaparecidas até hoje, além de crimes que foram acobertados, como suicídios forjados de opositores do regime

2) Na Ditadura Militar havia menos corrupção
Infelizmente, Papai Noel e Coelhinho da Páscoa não existem. Você pode até se iludir, mas a verdade é que não se podia investigar NADA. Jamais poderemos comparar com os dias atuais, simplesmente porque, naquela época, a independência de instituições como a Polícia Federal e o Ministério Público ainda era algo utópico. Sempre se roubou no Brasil. E muito.

3) Os militares trouxeram o “milagre econômico”
Para resumir a economia brasileira no período do regime militar, ninguém melhor do que um dos generais que presidiu o Brasil. Pois foi o ex-ditador Médici quem, certa vez, tascou a seguinte frase: "O Brasil vai bem, mas o povo vai mal”. De fato, o PIB do nosso país crescia acima dos 10% ao ano, Porém, o poder de compra do salário mínimo era baixíssimo, a dívida externa brasileira cresceu como nunca e os sindicatos não tinham voz nem vez. A desigualdade social manteve-se um abismo no Brasil, com os pobres ficando ainda mais pobres.

4) Só era preso ou torturado quem merecia
Segundo relatório da Comissão Nacional da Verdade, milhares de índios foram mortos por agentes do governo militar durante a construção da rodovia Transamazônica. Além disso, bastava ser da oposição para se tornar um inimigo em potencial do governo. E mais: houve perseguição a escritores, cantores e atores. Quem não fizesse exatamente aquilo que o regime queria, era obrigado a refugiar-se, ou sofreria as consequências físicas;



5) O Golpe de 64 livrou o Brasil de se tornar uma ditadura comunista
Não há embasamento histórico para se fazer tal afirmação. Contudo, proponho uma reflexão: se Jango era um presidente legítimo, eleito no voto (naquela época as pessoas votavam para presidente e para vice em votações distintas), por que ele aplicaria um golpe em si mesmo? Além disso, as tais “reformas de base” defendidas por Jango estavam longe de ser comunistas. Estabelecer direitos iguais entre trabalhadores urbanos e rurais e cobrar impostos maiores de grandes empresas estrangeiras que estavam instaladas no Brasil são pautas que continuam latentes até hoje.

quinta-feira, 5 de março de 2015

A lista mais dolorosa

As pessoas gostam de fazer listas. Mesmo as desorganizadas. É um lembrete que ficou grande demais para um pedaço pequeno de papel.

Há listas de todo o tipo. As de despesas são um porre. Já as listas de lugares que se quer conhecer possuem um misterioso encanto: é como antecipar os prazeres das viagens e descobertas que hão de vir.

Listas de livros e filmes estão entre as mais difíceis de elaborar. Quais deixar de fora? Que dilema cruel! Como resumir e classificar os melhores do cinema e da literatura como se fossem times em um campeonato de futebol? Complicado.


Nesta semana em que o Brasil espera, fremente, pela lista dos políticos que serão investigados na Operação Lava-jato, deveríamos também listar tudo o que poderia ter sido feito com os vultuosos recursos públicos desviados; e não foi. Os problemas que poderiam ter sido corrigidos, as reformas que poderiam ter saído do papel. A saúde, a educação, o transporte público,as demandas tantas que poderiam ter sido solucionadas. Puta merda, que lista mais dolorosa de se fazer!

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

As minhas opiniões

Sou a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo, da legalização da maconha, sou contra a pena de morte e, mais do que qualquer outra coisa, sou contra os radares que ficam escondidos nas estradas para multar motoristas desavisados.

Qualquer uma dessas opiniões é capaz de gerar intensa polêmica e até o ódio de quem pensa diferente. Uma pena. Porque uma opinião deveria ser apenas isso: uma opinião. São questões que devem sim ser debatidas, mas não de forma extremista ou passional, e sim por pessoas capazes de ponderar, dialogar, e até de ceder em alguns pontos.

Não há nada novo debaixo do sol, neste início trepidante de 2015. As bandeiras ideológicas, muitas vezes, são encaradas como uma espécie de religião, como já aconteceu em outros momentos da história. E esse é um caminho perigoso, porque as religiões tendem a transmitir aos seus seguidores a falsa sensação de que só eles é que estão certos, e os outros, equivocados. É mínima a possibilidade de diálogo ou de argumento racional nestes casos.


Um mundo não se constrói a partir de certezas absolutas. Eu sei que seria mais confortável pegar um punhado de opiniões e lutar por elas como um desesperado que luta para sobreviver; mas não, a vida não é tão simples. Precisamos nos questionar, duvidar da nossa própria teoria, conjecturar que podemos estar errados. Pode ser que não resolva nada, mas ao menos escapamos do risco de nos tornarmos reféns da chatice ideológica.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Refém do silêncio

Quando Álvaro viu Fernanda sair de casa pela última vez, pensou em chamar seu nome. Pensou em pedir perdão, em dizer que estava disposto a mudar, e que, finalmente; havia descoberto alguém por quem valia a pena deixar de lado aquele jeito durão.

Quando Álvaro viu Fernanda sair de casa pela última vez, pensou em dizer que a amava. Mas seus lábios permaneceram inertes. Todas as verdades jamais confessadas, por medo e fraqueza, continuaram sepultadas em seu peito. Todos os beijos que havia deixado de roubar continuaram frios em sua memória; aquelas eram recordações de momentos que jamais existiram.

Álvaro sabia que estava preso, refém não de sua solidão; mas de seu silêncio. De seu vazio, do nada que o esmagava. Ninguém poderia testemunhar a seu favor. Estava condenado a morrer de forma lenta e impiedosa, sufocado por sentimentos que não podiam mais ser derrotados por longos goles de conhaque barato.


Quando Álvaro viu Fernanda sair de casa pela última vez, engoliu o choro, abriu as janelas, e continuou sobrevivendo. Ele sabia que aquelas lágrimas nunca seriam derramadas.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Aprenda com as mulheres

Tempos atrás, escrevi uma crônica sobre os perigos do biquíni de fio dental. Fui taxado de machista por alguns, o que me surpreendeu um pouco, porque o meu objetivo com aquelas linhas era apenas entreter, nada mais. Fui levado a sério demais em um texto com seriedades de menos.

Entendo o motivo dessa interpretação equivocada: na ânsia de se combater o preconceito, surgem também alguns exageros. Certa vez, uma amiga me disse que não gostava de ser chamada pelo diminutivo do seu nome. Por quê?, indaguei. Ao que ela respondeu: “é uma forma de diminuir a pessoa. Acho machista”. Paralisei. Gosto de chamar as mulheres pelo diminutivo, como Marcinha ou Amandinha; e, ao que eu saiba, nunca tive o objetivo de ofender, e (muito menos!) de diminuí-las.

Fui pesquisar, preocupado.
Seria eu um machista que desconhece o próprio preconceito?

Depois, respirei aliviado. O machismo pressupõe que as mulheres sejam inferiores aos homens, algo de que discordo totalmente. Aliás, me atrevo a dizer que as mulheres é que são o sexo forte. Leia O Tempo e O Vento, de Erico Veríssimo, e você entenderá do que estou falando.

Está lá um retrato fiel de como a vida é, através de várias gerações. Os homens são corajosos e valentes, mas deixam-se levar por paixões cegas, sejam elas amorosas ou políticas, e acabam por matar-se em guerras, ou brigar por motivos banais. Já as mulheres, elas é que têm a força e a sabedoria de compreender que, como cantaram os Titãs, nenhuma ideia vale uma vida. São as mulheres que têm o desafio de extrair o melhor e garantir que a vida siga seu curso, mesmo com tantas revoluções, tanto sangue e tanta dor


Admiro a fibra e a obstinação de Ana Terra, Bibiana, Maria Valéria; e até mesmo da abnegada Sílvia. Admiro demais a força das mulheres. Foi o que concluí ontem, enquanto velava o sono da minha avó, que está no hospital. Podem até parecer frágeis, mas não se engane. São elas que sabem o que realmente importa na vida. Temos muito a aprender com as mulheres que nos cercam.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Adiando a felicidade

   
Quando penso no sentido da vida, lembro da história de Noé. Você sabe quem foi Noé, claro que sabe. Pois esse mesmo Noé, da arca e do dilúvio, ele viveu novecentos anos.

Deve ter sido uma vida chata. E pior; triste.

Porque as coisas boas da vida sempre carregam consigo uma sensação de brevidade, de algo passageiro. As férias passam voando. Um riso ou um orgasmo duram poucos segundos. Logo, algo longo demais parece algo ruim, interminável.

Uma vida de novecentos anos é uma vida de despedidas, em que uma parcela muito pequena, quase insignificante, representa a juventude. A infância e a adolescência, justamente as melhores fases da vida, ficam pequenas demais em um período tão longo.

Um homem mais velho é provavelmente mais sábio, mas sabe que a sabedoria lhe custou um preço alto: as desilusões. Com o tempo, perdemos a ilusão do amor perfeito, do mundo pacífico, das pessoas que jamais mentem. A desilusão ensina, mesmo que nem sempre queiramos aprender suas lições.

Por saber de tudo isso, me compadeço de Noé. Eu, se pudesse escolher, não quereria viver tanto. Mesmo que estejamos sempre reclamando da falta de tempo, no fundo a gente sabe que é tudo uma desculpa. Quem sabe amanhã, dizemos. E vamos deixando para depois. E, por deixar para depois, nunca aprendemos a tocar aquele instrumento. Nunca ligamos para ela. A viagem fica para outra hora. A brincadeira na chuva, para os mais jovens. Até os erros são deixados para depois.

Não somos imortais. Não vivemos novecentos anos. Mas, mesmo assim, adiamos tudo o que queremos fazer. Deixamos de aproveitar o dia, a vida. Que bom que não vivemos tanto. Seria ainda mais triste adiar a felicidade por tanto tempo.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Um novo pacto federativo


Desde a redemocratização, praticamente todos os partidos políticos já estiveram à frente do governo do Rio Grande do Sul. Por isso, é difícil apontar um único grupo de responsáveis pela degradação das contas públicas do estado, que, inexoravelmente, foram se fragilizando mandato após mandato, influenciadas por incontáveis fatores internos e externos; com a contribuição de governos que gastaram mais do que arrecadaram. Além disso, nos momentos de crise econômica, de nada adianta encontrar culpados. É preciso que, através da união dos gaúchos, sejam tomadas medidas que nos permitam reencontrar o fôlego financeiro das contas públicas.

Para isso, em qualquer sociedade moderna, a Educação deve ser a prioridade das prioridades. Não é à toa que o lema do governo federal é “Brasil, pátria educadora”. Contudo, apenas uma frase de efeito não basta para construir uma educação digna no nosso país. O primeiro passo é a valorização da carreira docente, que hoje tem sido a escolha de poucos abnegados. Com professores bem pagos e melhor preparados, abre-se o caminho para as grandes reformas que nosso sistema educacional necessita.

Voltando ao cenário gaúcho, vemos com tristeza que o agravamento da crise financeira impede até mesmo que o piso salarial do magistério seja pago aos professores da rede estadual. Neste caso, não se pode nem dizer que é por falta de vontade política. O pagamento do valor mínimo, estipulado por lei aos professores ativos e inativos, acarretaria em um acréscimo anual de três bilhões de reais em uma folha de pagamento que atualmente é de seis bilhões/ano.

É desolador constatar que o Rio Grande do Sul está de mãos amarradas em uma questão tão crucial. Mais uma vez, fica evidente a necessidade de um novo pacto federativo, que permita aos estados e município ter mais autonomia financeira, em vez de assistirem à maior parte da carga tributária indo para os cofres da União. Outro ponto fundamental a ser destacado é que, com uma distribuição mais justa das fatias tributárias, os cidadãos teriam a oportunidade de acompanhar mais de perto a forma com que o dinheiro dos impostos é utilizado, além de poder cobrar diretamente prefeitos e governadores pela gestão e aplicação desses recursos.


Sendo o Brasil um dos países com uma das cargas de impostos mais pesadas do mundo, não restam dúvidas de que há sim dinheiro para que as demandas dos brasileiros sejam atendidas de forma mais eficaz, com serviços públicos eficientes e a valorização dos profissionais que atuam diariamente em áreas vitais como saúde, segurança e educação. Mas, para isso sair do papel, faz-se necessária uma mudança urgente na forma com que estão sendo divididas as fatias do bolo tributário.

(publicado na página 2 do Jornal Integração em 15/01/2015)

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

As férias e os amores de verão

As pessoas não tiram mais férias. Talvez já tenham tirado em tempos remotos, mas não mais. Agora, somos todos prisioneiros das redes sociais. Não basta que o dia esteja lindo, a vista deslumbrante ou que as companhias sejam divertidas, precisamos também de uma foto, uma imagem que comprove o quanto estamos felizes.

Há casos piores, de pessoas que levam trabalho para a beira do mar. Trocam o terno e a xícara de café por calções coloridos e água de coco, enquanto resolvem os mesmos problemas do ano todo. "Não posso me desligar", dizemos. É isso: não é uma opção. Trata-se de algo mais forte do que a nossa vontade.

Sim, as férias se foram. Aquelas em que ficávamos vários dias em uma cidade distante, e depois voltávamos ansiosos para contar aos amigos todos os detalhes daqueles dias dourados. Agora, eles já sabem de tudo em tempo real. Há outras coisas que pareciam eternas, e também se foram, como o msn, a internet discada e a Tv Globinho. Umas ótimas, outras péssimas, as coisas vão se tornado cada vez mais passageiras. Quando acabarem os amores de verão; aí sim, não haverá mais esperança para a humanidade.

Os amores de verão são a prova de que as pessoas ainda podem ser leves, cantar na chuva, morrer de amores, tomar um porre, ficar com raiva, ciúme e desejo, tudo ao mesmo tempo; e depois deixar tudo passar. Como a lembrança de um sonho agitado e bom.

Por enquanto, o certo é que não nos desligamos mais. Não diminuímos o ritmo. Estamos sempre com a cabeça em outro lugar, em outras pessoas. Já não se pode chegar sem fazer check-in. Já não se pode sair sem uma prova para compartilhar. Já não se pode mais tirar férias, esquecer do resto do mundo. Não podemos nos desligar.

Sou uma ameaça

Aconteceu algo inusitado quando visitei a praia do Rosa, em Imbituba, na semana passada. Centenas de carros se aglomeravam na entrada. O acesso para a praia era difícil, e eu não estava encontrando lugar para estacionar. Para piorar, o estacionamento mais próximo cobrava exorbitantes cinquenta reais. Então, fez-se a luz: vi um lugarzinho, debaixo de algumas árvores, a um canto da estrada. Fiquei na dúvida se poderia estacionar ali, mas percebi que outros motoristas faziam o mesmo, então segui em frente.

Quando me preparava para desembarcar, um policial passou por mim, em uma motocicleta, observando tudo. Não fez nenhum tipo de sinal de que eu não poderia deixar o carro ali. Tudo bem, pensei, olhando para o policial.

Triste engano.

Ficamos na praia por alguns minutos, apenas o tempo de tirar algumas fotos, e, quando retornamos, encontrei o mesmo policial ao lado do carro, anotando uma multa. Por uma razão simples: ele não estava lá para orientar o acesso à praia, estava lá para multar.
Sei que é a mesma lógica dos policiais rodoviários que se posicionam atrás de árvores, alguns metros depois dos controladores de velocidade. Ora, é óbvio que logo depois do pardal, ninguém poderá acelerar tanto a ponto de estar a uma velocidade perigosa. Certamente, não passará de uns 15 ou 20% do limite.

 Mesmo assim, eles estão lá, à espreita desses "perigosos" motoristas. Agora, imagine se esses agentes da lei estivessem a serviço REALMENTE de evitar acidentes? Muito melhor, não? Mas,não. Eles estão ocupados demais, prestando atenção em você e em mim. Somos uma ameaça. Uau!

Faço essa reflexão não para dizer que me sinto injustiçado: até porque, se existem leis, elas devem sim ser cumpridas.Há policiais com bom senso, posso afirmar que sim, eu mesmo conheço vários. Por que não são todos assim? Por que alguns fazem com que a população tenha medo da polícia, em vez de enxergar nela um órgão capaz de defendê-la? Por que o Estado não se preocupa mais com meu bem estar, em vez de me vigiar e punir?

O Estado é leniente com a corrupção que desvia recursos vultuosos e ineficaz para controlar os índices de criminalidade que assolam o país, mas é atento e eficaz para me fiscalizar e cobrar que eu tenha um extintor novo no carro. Como se resolve isso? Com uma visão diferente, que se preocupe mais com as pessoas. É para isso que deve existir qualquer serviço público: para facilitar a vida das pessoas.