quinta-feira, 28 de março de 2013

Jardim


Uma das lembranças vivas da minha infância é lembrar do meu avô cantarolando, a beira do fogão à lenha, uma cantiga já muito repetida:


 
A mesma praça,
o mesmo banco
As mesmas flores
o mesmo jardim...

Eu não entendia porque, mas aquele trecho me transmitia uma certa tristeza. Afinal, é muito melancólico um lugar que nunca muda. Ele fica lá, como se tivesse parado no tempo, mas o tempo não parou para você.

O primeiro beijo, os temores da adolescência, a felicidade do primeiro emprego, a lealdade reconhecida no olhar de um amigo. Todas essas coisas passam. Seria um contraponto cruel que o banco daquele jardim permanecesse sempre o mesmo, e que até as flores já fossem velhas conhecidas que jamais se renovam.

É triste deixar para trás pedaços importantes da nossa vida, mas mais triste ainda é nunca mudar.


quarta-feira, 20 de março de 2013

Choro na sala de aula



Recebi um baita elogio na semana passada. A pessoa me disse que gostou muito do que escrevi sobre o Dia da Mulher; e que esse era um daqueles textos que dão vontade de continuar lendo mesmo depois que acabam.

É bom saber que hoje alguém pode ter gostado tanto de algo que eu escrevi, porque já houve um tempo em que fui muito ruim nisso. Mais exatamente na pré-escola, quando todos sabiam escrever pelo menos o próprio nome.

Todos, menos eu.

Com muito sacrifício eu até garrancheava um “LUI”, mas não havia jeito de conseguir desenhar o S.

Cara, como aquilo me frustrava! 

Um dia não aguentei. Todos já haviam terminado, todos menos eu, e quanto mais eu tentava, pior era o resultado.

Então, comecei a chorar.

A professora aflita tentava me acalmar enquanto os meus colegas olhavam com curiosidade aquela cena. Nunca vou esquecer desse dia.

Era uma dificuldade pontual, na primeira série fui um dos primeiros a aprender a ler. Mas mesmo agora, tanto tempo depois, sinto um certo mal-estar ao lembrar daquele incidente. Porque eu sei que não chorei por medo do desafio de escrever o S; aliás, se tem algo que nunca me abalou é o desafio ou a adversidade. Naquele dia o que me fez chorar foi um sentimento de vergonha. Porque eu me senti inferior, me senti incapaz de fazer algo que todos ao meu redor executavam até com certa facilidade.

É exatamente o que sente quem não sabe ler ou escrever. Por saber disso é que sinto como um soco na boca do estômago saber que em pleno ano de 2013 o Brasil tem 12 milhões de analfabetos, praticamente toda  a população da Holanda. Doze milhões de brasileiros condenados a viver envergonhados de si mesmos.

Todos nós devíamos também sentir vergonha.

Vergonha por viver em um tempo de tanto desenvolvimento, e saber que, neste que é o solo de um dos países mais ricos do mundo, vivem milhões de pessoas que não têm o mínimo acesso a uma Educação de qualidade.

quinta-feira, 14 de março de 2013

A brincadeira do argentino


“Vocês sabem que o dever do conclave era dar um bispo a Roma. Parece que os meus irmãos cardeais foram quase ao fim do mundo para buscá-lo...”.

Nas suas primeiras palavras como papa, Francisco mostrou que sabe que, mesmo nas horas mais solenes, há sempre espaço para um gracejo, uma brincadeira.

Brincar é essencial.

Por isso na infância somos tão felizes. Porque tudo o que uma criança quer é brincar. E a brincadeira só tem graça quanto há mais alguém participando. Quando há o Outro.

É isso que devem saber os católicos, os evangélicos, os adventistas, o mundo inteiro. Que o mais importante não é a religião. O mais importante são as outras pessoas, e que as pessoas são sempre diferentes umas das outras em tudo.

E também que a única forma de criar um mundo melhor é saber respeitar essas diferenças.


quarta-feira, 13 de março de 2013

Os óculos da Aninha



- Cara, a Aninha tá muito na tua...- cochichou o colega durante a explicação de matemática.

Fernando já sabia. Na verdade, qualquer um sabia. Todos os dias durante as aulas a garota fazia de tudo para chamar-lhe a atenção, porém Fernando sempre ignorava.

Não é que a menina fosse feia, mas... era sem sal.

Até que em uma monótona aula de Química, as coisas se tornaram interessantes.

Aninnha entrou na sala devagar.

Moveu-se com leveza até sua classe, com um ar de superioridade jamais visto antes em suas feições delicadas. Um decote comportado, porém levemente insinuante, como devem ser os decotes, o cabelo liso deslizando lentamente pelos ombros bronzeados.

-U-A-U! – pensou Fernando.

-U-A-U! – pensaram todos os garotos da turma.

- Meu – disse ele dirigindo-se ao colega da frente – Viu como a Aninha ta gostosa?!
- Claro, burro – replicou o outro, impaciente, – ela está usando óculos!

Sim, era isso! Fernando olhou de novo, e tantas vezes que por fim nem se deu mais ao trabalho de desviar o olhar da direção da colega. Era incrível como os óculos haviam deixado Aninha tão atraente. Quase se emocionou quando, durante uma explicação sobre cadeias de carbono, ela mordeu a pontinha da armação com ar atento.

Estava decidido. Iria convidá-la para sair. Aliás, já deveria ter feito isso antes, onde já se viu deixar a menina lhe dar sinais de interesse tão claros e ele não fazer nada? Quem deve ser difícil é a mulher, não o homem!

Esperou com ansiedade o final da aula, e alcançou-a rápido e fatal como um Renato Gaúcho.

- Quer sair comigo? – disparou.

- Hmmm... –fez ela com ar de desinteresse – Vou ver e te mando mensagem...

E seguiu, imponente.

Fernando não acreditava. Levara um corte da Aninnha?

Impossível!

O que ele não compreendia é que aquela era uma garota diferente da que sempre havia sido.

Agora ela era superior. Uma garota que usava óculos.

domingo, 10 de março de 2013

O que merecem as mulheres


Um homem é os instintos que ele esconde. É a coceira incômoda na virilha durante aquela reunião importante, é o xingamento que ele profere durante uma partida de futebol, um homem é muito daquilo que ele reprime o... tempo todo em nome da chamada “etiqueta social”.

Porque o homem verdadeiro, sem máscaras, é ainda aquele espécime selvagem que vivia na savana africana caçando animais ferozes e arrastando as mulheres pelo cabelo. Aquele homem não conhecia a fidelidade, se uma fêmea lhe interessasse, ele a comia. E ainda há muito daquela criatura no homem que somos hoje.

Com o advento da civilização, a mulher cria também esse homem monogâmico que agora anda com pressa pelas ruas movimentadas das grandes cidades.

Ele enfrenta seu instinto até para ser fiel e ficar sempre com a mesma mulher!

Que façanha as mulheres conseguiram!

Não merecem apenas um dia. Merecem um calendário inteiro.

quarta-feira, 6 de março de 2013

A nova namorada do ministro



Meu professor de inglês na Feevale nos contou certa vez uma historia curiosa: ele dava aulas em uma escola de idiomas de Porto Alegre que fica bem em frente a um enorme prédio residencial, onde vivem dezenas de famílias espalhadas por vários andares.

O que acontecia é que nas salas da pequena escola de idiomas, muitos alunos descobriam que seus colegas de classe eram também seus vizinhos, descobriam que eles também moravam no prédio em frente.

Vizinhos se conhecendo fora do prédio em que moravam, que coisa incrível!

Alguém pode concluir que nas cidades grandes existe uma certa frieza que torna as pessoas solitárias. Concordo em parte. Sei que é bom conhecer e poder contar com as pessoas que moram por perto, mas sei também que nas cidades pequenas tudo acaba virando fofoca.

O que muitos apontam como frieza pode ser simplesmente respeito. Quem vive em uma metrópole é obrigado a aprender a respeitar o espaço do outro, porque há muitas pessoas para dividir os mesmos lugares. Distanciamento às vezes é apenas respeito à privacidade alheia.

Por isso entendo o ministro Joaquim Barbosa, que perdeu a paciência ontem com um repórter em Brasília. Afinal, o cara é presidente do Supremo Tribunal Federal, se ocupa de alguns dos assuntos mais importantes e polêmicos do país, e o repórter vem perguntar sobre a sua namorada nova?

Repórteres e vizinhos: são muito importantes, mas nem sempre sabem respeitar nossa privacidade.