quarta-feira, 5 de novembro de 2014

O dono da bola

Lembro quando, certo Natal, meu vizinho chegou exultante de alegria, mostrando a sua bola de futebol novinha, toda branca, com o símbolo da Adidas em azul forte.

Foi um dia alegre, afinal precisávamos estreia-la o quanto antes. Mais do rapidamente chamamos dois ou três amigos próximos, montamos as duplas, e fomos jogar na rua. Eu era um pouco mais velho, então não tinha dificuldade em executar meus dribles. Aliás, me sentia quase um Messi da rua Oscar Schaeffer.

Então, aconteceu. Um carro vermelho veio na nossa direção; e a disputa parou, que era o que acontecia quando carros de qualquer cor passavam bem no meio da nossa “arena de jogo”. Mãos na cintura, ofegantes e suados, esperamos o auto passar. Depois, quando a partida foi retomada, me senti inspirado: apliquei uma caneta no meu vizinho dono-da-bola, e desferi um chute certeiro na direção do “gol”. Para finalizar, saí comemorando em altos brados: "gol do Brasil-sil-sil!"

O meu vizinho ficou vermelho de raiva, e foi para cima de mim. Por um momento, juro que achei que ele ia me bater ou dizer alguns palavrões, mas ele simplesmente agachou-se, recolheu a bola, colocou-a debaixo do braço, e rumou solenemente para sua casa.

Ficamos lá, cabisbaixos, sem poder prosseguir o jogo.

Tenho lembrado do gesto desse meu vizinho quando leio as notícias sobre os brasileiros que defendem uma intervenção militar, já que a candidata que venceu as eleições presidenciais não era a sua preferida. Porque assim como em um jogo de futebol na rua, na democracia também é impossível que todos tenham a sua vontade atendida.


É preciso que existam perdedores e vencedores, mas que, depois do jogo, todos compreendam que as regras são essas, e que amanhã tem mais bola para rolar. Em uma democracia consolidada, uma oposição vigilante é tão importante quanto um governo eficiente. Lamento informar aos “intervencionistas”, mas não adianta querer resolver tudo colocando a bola debaixo do braço. 

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