terça-feira, 4 de junho de 2013

Certa tarde de domingo


Fazia frio na tarde em que Tiago morreu.

Era um desses domingos cinzentos em que as pessoas evitam sair de casa, e uma garoa fina começava a lavar as enormes janelas de vidro da acanhada sala de espera. Heitor achara melhor se sentar depois de ouvir a notícia da enfermeira.

A mulher estava bem, dissera, mas nada puderam fazer para salvar a criança. Lamento muito, ela disse, mas sua voz não expressava mais do que um gélido desinteresse.

Nada puderam fazer para salvar a criança... Heitor pega um copo d'agua, mas não bebe. Ninguém naquela merda de lugar, ninguém naquela merda de mundo pode lhe ajudar. Ninguém pode entender o que está acontecendo, nem ele mesmo. É como se a confusão de pensamentos tornasse sua cabeça vazia. Nada puderam fazer para salvar a criança...

Olha o relógio. Três e vinte da tarde. Nada puderam fazer para salvar a criança... O ponteiro se mexe lentamente, mas não para. É uma prova terrível de que a vida continua, apesar de toda aquela dor; apesar de aquela criança tão pequena, tão delicada, de ela ter morrido antes mesmo de berrar seu primeiro choro, antes mesmo de sentir os seus pequenos pulmões serem invadidos pelo ar que todas as pessoas sentem todos os dias, todas as horas, porque estão vivas, vivas!. Não, nunca, nunca! nada daquilo poderia acontecer, nem haveria segunda chance, porque nada puderam fazer para salvar a criança...

O tique-taque do relógio é um deboche.

A vida segue. A vida segue e Tiago está morto. A mulher, pálida naquela cama asquerosa, talvez morra também. Mas nem assim o ponteiro vai parar com aquele maldito barulho. Todo o tempo, tique-taque, sem parar, sempre na mesma velocidade, sempre tão odiável.

Heitor não aguenta, e arranca o relógio da parede. O objeto cai, e seu estrondo desfaz por um instante aquele silêncio de morte. Heitor está aliviado, a barulheira lhe traz uma paz já esquecida; e então ele grita. Grita que aqueles médicos são todos uns filhos da puta, que esse mundo é mesmo muito podre, que talvez tenha sido melhor que seu filho não conhecesse essa podridão.

Nada puderam fazer para salvar a criança...

E enquanto gritava, Heitor perdeu a paciência com as outras pessoas, "Vocês também são podres, por isso estão se afastando de mim com essas caras de medo! Cagões, é isso o que vocês são! ".

E sem poder continuar, o homem sente a visão escurecendo, as coisas se tornando difusas, o corpo amolecer todo de uma vez. Nada puderam fazer para salvar a criança...

Duas enfermeiras correm para socorrer Heitor, desmaiado.

No chão, o relógio tiquetaqueva seu ritmo fúnebre.

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