sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Somos uma salada de frutas


 Não é bairrismo dizer que Erico Veríssimo é um escritor diferenciado, mesmo entre os grandes. Nenhum autor dentre os que eu já li consegue descrever tão bem os dilemas da alma e do comportamento humano, ninguém cria personagens tão verossímeis.

 Até parece que em algum momento vão sair do papel.

 É assim em O Senhor Embaixador, que acabei de ler dias atrás. Um livro um tanto monótono no início, mas trepidante e surpreendente no final.

 Gabriel Heliodoro é o embaixador em Washington de um país fictício da América Central, um país em que quase toda a população é miserável. Ele enriquece de forma ilícita, trai a própria mulher com a esposa de um de seus funcionários, finge não ver as injustiças sociais que seu governo ditatorial comete contra o povo.

 O embaixador é, portanto, um criminoso.

 Um egoísta que deixa as coisas se desenrolarem daquela forma para que ele possa levar uma vida confortável.

 Mas, por mais paradoxal que possa parecer, – e é aí que Erico Veríssimo se diferencia - ao ler o livro o leitor vai aos poucos gostando da figura de Heliodoro, de seus gestos espontâneos, da sua maneira de ver a vida e de tratar as pessoas. O leitor se dá conta de que o Embaixador não é um homem mau.

 Coloco “o leitor” generalizando, mas a percepção é minha.
  
 E tem mais! Já no final da história, Heliodoro resolve travar uma batalha perdida e nega-se a fugir mesmo com a iminente queda de seu governo. Prefere morrer sendo leal aos seus companheiros, em um ato de renúncia a si mesmo e ao seu orgulho.

 Um ato em que não há egoísmo, e sim pura abnegação

 Os crimes de Heliodoro não deixam de ser graves por serem passivos. O dilema que o livro impõe é expor a natureza humana como algo difícil de entender, justamente por uma mesma pessoa ter atitudes grandes em algumas situações e atitudes mesquinhas em outras.

 Como fazer um julgamento justo sobre uma pessoa, se ninguém é totalmente bom ou mau? Somos uma salada de frutas de qualidades e defeitos, como eu disse no discurso de formatura do ensino médio.

 Ao perceber isso, Erico cria personagens quase humanos, de carne, osso e sentimentos, e faz com o que o leitor reflita sobre atitudes, e não sobre pessoas.

 Perfeito o livro, valeu a pena seguir em frente nas partes chatas do começo da história. Por algumas páginas cheguei a temer que o autor perdesse o rumo da história, mas o Erico Veríssimo jamais o perde.

Nenhum comentário:

Postar um comentário