sábado, 17 de setembro de 2011

Retrô - O mesmo jardim

Esse texto é recente, faz menos de seis meses que eu escrevi.

O velho sorriu ao aproximar-se do velho banco de madeira embaixo da grande figueira. A mesma figueira que fora testemunha de seus namoros da juventude. Há quantos anos? Cinqüenta? O velho não lembra... As lembranças se tornaram difusas há algum tempo... Sim, existe uma cumplicidade entre o velho e a árvore, são antigos conhecidos. É estranho, com o banco não há a mesma relação...O banco velho é apenas um banco velho. Mas foi ali que as primeiras carícias com Rosa aconteceram. O primeiro beijo. Com Rosa tudo fora muito diferente, não havia a mesma malícia de outras namoradas. Com as outras eram beijos sôfregos e mãos ávidas buscando as coxas macias e o sexo úmido, mãos desbravadoras que eram recompensadas depois de muita insistência com um par de seios jamais tocado antes.

Rosa era diferente. Rosa era pra casar, pensava ele sempre, e sempre a paparicava e sempre sonhava com os anos vindouros em que seriam muito felizes, teriam filhos, seriam um só.

Rosa era pra casar. Com esse pensamento, o velho, que então não era velho, mas sim jovem e sonhador como só a juventude consegue ser, com esse pensamento ele trabalhou como um mouro, economizou como um velhote sovina e conseguiu dinheiro. Seria uma vida simples, está certo. Mas seriam felizes. De que lhe importavam os inúmeros problemas financeiros que poderiam surgir num futuro distante, se naquele momento eles poderiam estar juntos, bem e felizes?

Rosa era pra casar. Pois muito bem. Estavam todos de acordo. O pai de Rosa, pouco apegado à filha, parecia feliz em livrar-se da moça. A mãe era só contentamento por imaginar a filha entrando na igreja. Ah, claro Rosa estava de acordo também, queria casar-se, mas sua opinião pesava menos na decisão.
Estava tudo pronto. O velho lembra. Já relembrou muitas vezes, em outras tantas manhãs. Com dificuldade, tenta sentar-se no banco de madeira. Desiste. Estava tudo pronto. Ele lembra da ansiedade em possuir o corpo jovem de Rosa mesclada com o medo de machucá-la. Tão sensual e tão frágil...Estava tudo pronto. Faltavam poucos dias.

Mas não casaram.

Não casaram e tudo poderia ser tão diferente que é impossível imaginar que rumo a vida do velho teria tomado se o casamento tivesse acontecido. Como seriam os caminhos de ambos se Rosa não tivesse caído de cama dois dias antes do casamento. As tias culpavam o nervosismo no início, mas durante dez dias, dez longos e intermináveis dias, Rosa ardeu em febre, delirou, perdeu peso e morreu no décimo primeiro dia, horas depois da chegada de um médico que nada pôde fazer.

- Por que não me chamaram antes? – perguntara o doutor. Ninguém sabia.

Uma lágrima vagarosa e solitária brota nos olhos do velho e rola sem pudor pela face enrugada. O velho não pensa em enxugá-la. Ergue lentamente o olhar que estava fixo no banco.

Ao longe, a cena parece saída de um quadro, pintada a óleo. O velho sorri ao aproximar-se do velho banco de madeira embaixo da grande figueira. É um sorriso feliz, ele sabe. E sabe também, sem saber como, o quanto há de melancolia na felicidade.

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