quarta-feira, 22 de junho de 2011

Tristeza no olhar

Assisti um trechinho dA Liga ontem, que falava sobre o crack e seus efeitos. Não tem como ficar indiferente ao que essas pessoas vivem. Fui dormir um pouco menos leve.


Uma das coisas que ficarão gravadas na minha memória, mesmo quando eu estiver bem velhinho, é a lembrança de uma noite gelada de maio de 2009. Andávamos em um grupo de seis. As calçadas de Igrejinha, que não são largas como as de Uruguaiana, como diria um amigo meu, essas calçadas não comportam um grupo de seis amigos andando lado a lado. Então nós nos dividimos em dois grupos de três.

 Mais a frente, já a uma certa distância iam o Bogas, o Rafa e o Mano. Atrás ia eu, o PC e o Lipxie. Tudo ia bem, falávamos de futebol, de amenidades, falávamos bobagens, sei lá o que a gente estava conversando.

De repente um homem, quarenta anos presumíveis, nos parou. Queria uma informação. E é agora que a história começa. Eu lembro exatamente quais foram as suas palavras:

“Eu to precisando de ajuda pra achar a minha casa.”

Não era um bêbado. Tínhamos certeza. O homem demonstrava uma firmeza nos gestos e nas palavras que uma pessoa embriagada não possui.

“Moro na frente da garagem da Prefeitura, mas será que é pra lá?”

Não era. Ele apontava para a direção oposta. Decidimos levá-lo para casa. E então, pela primeira vez na vida, conversei com alguém que estava sob o efeito de drogas pesadas.

O homem lembrava que tinha saído às duas horas da tarde de casa para beber com os amigos. Alguém lhe oferecera algo que não era bebida, algo que um “amigo” não deveria oferecer. Já eram nove da noite e ele não lembrava de mais nada. Lembrava de outras coisas. Lembrava que tinha uma casa, dois carros, uma esposa e duas filhas. Falou com carinho das meninas.

O cara só reconheceu o caminho quando estava praticamente na rua da casa dele. Finalmente chegamos. Ele morava em uma casa confortável, de dois pisos, bem mobiliada. Esperamos por 15 minutos até a esposa e as filhas do homem chegarem.

E o homem explicou-se. Não para a mulher, que não era necessário, mas para as meninas:

“O pai tá bem, mas a minha cabeça parece que morreu. Eu tava completamente perdido, esses meninos são anjos que trouxeram o pai pra casa.”

As duas encaravam o pai. A menor tinha um olhar arregalado, parecia assustada. Já a mais velha, de uns 10 anos, não demonstrava pena, medo, vergonha, raiva, nada disso. O olhar que ela tinha era um olhar de tristeza, um olhar tão triste que nele não cabia mais nenhum sentimento.

E aquilo me partiu o coração.

Daquele dia em diante, tenho um olhar diferente para tudo que envolve o caminho tortuoso das drogas. Essas campanhas que estão toda hora na TV e em todos os lugares são muito bem intencionadas, mas não dão uma noção verdadeira do sofrimento que a droga traz. Só quem já passou por isso, ou quem perdeu um amigo ou familiar para as drogas sabe. O que fez com que aquele homem se apresentasse drogado na frente das filhas que tanto ama, na frente da companheira a quem um dia ele jurou que amaria na alegria e na tristeza?

Falta de estrutura familiar não foi. Influência dos amigos? Um pai de família é muito menos influenciável do que um jovem que precisa da aceitação do grupo do qual ele faz parte. Curiosidade? Ninguém entra para as drogas por curiosidade, essa é a maior conversa fiada que existe.

Nós precisamos rever alguns conceitos. O drogado está errado, mas é um erro culposo, e não doloso, e não se sabe onde está a origem desse erro. E a sua maior punição é ver o olhar de tristeza das pessoas que ele mais ama.

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